Os rumos do Novo Código Civil

Aos poucos a sociedade e seus segmentos tomaram conhecimento que a tão esperada aprovação do Novo Código Civil – que entrará em vigor a partir de janeiro próximo – afetará diretamente o cidadão, suas propriedades, sua empresa, seu emprego e sua vida pessoal. Alguns pontos estão sendo amplamente discutidos, enquanto outros notoriamente desprezados; a comunidade jurídica não se voltou diretamente e abertamente ao debate. O texto tem sido pouco estudado, sendo até chamado por alguns de Código da Indiferença, uma alusão ao descaso com a sua aplicabilidade.

Em uma primeira tentativa colegiada de discussão das normas do novo CC, reuniram-se em Brasília juristas e professores convidados na 1.ª Jornada de Direito Civil, um evento promovido pelo Centro de Estudos Judiciários, que é ligado ao Conselho da Justiça Federal, órgão do Superior Tribunal de Justiça. O encontro foi coordenado pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar, que inaugurou uma metodologia singular: a divisão dos juristas em seis grupos – correspondentes a cada Livro do Código Civil, ou seja, Direito das Coisas ou Reais, Empresarial, da Família, das Obrigações, Geral e Responsabilidade Civil – comportando entre 20 e 25 componentes convidados de diversos Estados do Brasil, com Presidente e Relator eleitos.

Segundo o professor da UFPR e advogado Alfredo de Assis Gonçalves Neto, um dos participantes do encontro, do evento resultaram enunciados interpretativos que irão auxiliar a doutrina e a jurisprudência brasileiras, na prática, e colaborar com a solução de dúvidas que porventura surjam na aplicação desta legislação por parte da comunidade jurídica. Outro paranaense que esteve em Brasília, o também professor da UFPR, Luiz Édson Fachin, explica que a Jornada além de extrair propostas construtivas de interpretação que dê solidez ao Novo Código, também abriu espaço à discussão de alterações que visem preencher lacunas do texto do CC. “Ademais, reuniu parcela significativa da comunidade jurídica nacional por meio de suas vozes no Direito Civil e no Direito Privado a fim de debater as implicações decorrentes da vigência do novo Código Civil Brasileiro. Foi iniciativa pioneira e marcante no cenário jurídico brasileiro”, complementa Fachin.

Comissões

O Paraná teve uma participação ativa no evento, tendo como eleitos nas seis comissões formadas, dois presidentes e um relator; Assis Gonçalves presidiu o grupo de discussão sobre o Direito da Empresa, Fachin foi o relator da comissão de Direito da Família e Sucessões e o juiz do Tribunal de Alçada de Curitiba Munir Karam foi o presidente do conjunto que debateu o livro do CC referente aos Direitos das Coisas. Outros representantes do Estado também marcaram presença em Brasília, como os juristas Regina Helena Affonso, Accácio Cambi e Rosana Fachin.

O propósito destas comissões era interpretar os dispositivos que suscitam maiores dúvidas de cada um dos seis segmentos do Novo Código, oferecendo opções e nuances a cada legislação. “Um Código, asseveramos no evento, não nasce feito; ele se faz pela obra cotidiana dos doutrinadores, dos julgadores e dos operados do Direito em geral, dando vazão à força criativa dos fatos sociais”, explica Fachin.

Os enunciados não têm uma função específica, embora possam exercer o papel de vetores de interpretação das novas disposições do Código. Eles surgem como resumo das reflexões dos membros dacomissão, obtida ora por maioria, ora por unanimidade, mas depois de amplamente debatidos. “Por isso é que acabarão servindo de guia de orientação do alcance e da aplicação das disposições analisadas. Evidentemente não se pode pensar que as comissões esgotaram o assunto, mas que, em relação àqueles que analisaram, certamente chegaram a conclusões que revelam a tendência do pensamento de todos ouda maioria lá reunida”, diz Assis Gonçalves

Portanto, a contribuição reflete em opiniões e sentimentos extraídos destas interpretações que irão colaborar de forma imprescindível com a sociedade democrática, levando em conta os legítimos interesses dos destinatários das normas.

Além de discutir sobre temas específicos ao segmento jurídico, destacou-se o amplo debate sobre o vacatio legis, ou seja, o período de adaptação ao Novo Código, que é de um ano. Vozes conflitantes debateram a respeito, alegando-se por um lado ser o tempo adequado e por outro, curto, em virtude das mudanças impostas e da necessidade de melhoria em alguns dispositivos. O principal argumento contra o atual prazo – contido no artigo 2.044 – é o desconhecimento do Novo Código. “É importante rever isto para proporcionar um razoável conhecimento sobre o Código dentre a comunidade jurídica brasileira e a sociedade, algo imprescindível para sua plena eficácia jurídica e social. Demais disso, é cabível remarcar que diplomas legais de relevo apresentam lapso temporal alargado de vacatio legis. A preocupação com a exigüidade da vacatio valoriza o papel decisivo da jurisprudência”, explica Fachin.

Importância

O Código Civil é o mais complexo de sistema de normas que existe. Ele regula a conduta dos homens no meio social, protege a personalidade, regulamenta a propriedade, rege as obrigações, traça as normas para o convívio familiar, dispõe sobre a vocação sucessória. Este sistema não nasceu de súbito, mas foi se estratificando através dos séculos. Mesmo em relação ao direito brasileiro, procurou-se preservar a tradição e incorporar-se apenas o que já estava sedimentado na aplicação do direito.

“Dentre tantas inovações, o que mais impressiona no Código é o forte apelo pela prevalência do social e os poderes que confere ao Juiz, para poder torna-lo operacionável. Como dizia Chiovenda o Juiz é o Direito tornado homem. Espera-se uma importante contribuição dos Tribunais, para que o novo Código Civil possa ser aquele instrumento de paz e segurança entre os cidadãos”, comenta Munir Karam.

Os trabalhos das seis comissões serão condensados e inseridos em uma publicação disponibilizada pelo Conselho da Justiça Federal. A divulgação também acontece nas salas de universidades de todo o Brasil, onde os professores que participaram do evento apresentam aos alunos as conclusões extraídas do encontro. Atualmente, o conteúdo daquilo que foi discutido durante a 1.ª Jornada de Direito Civil de Brasília está à disposição no site do Conselho da Justiça Federal, cujo endereço é:

www.cjf.gov.br.

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