O Sistema S

Por detrás do biombo da disputa eleitoral na principal entidade empresarial brasileira – a Federação das Indústrias de São Paulo – ficamos sabendo que o governo, pelo menos na aparência, teria desistido de propor o fim do chamado Sistema S – Senai, Sesi, Sesc e Senac, todos alimentados com recursos originários da folha de pagamento. O ministro do Trabalho e Emprego, Ricardo Berzoini, que há poucos dias teorizou sobre a reforma sindical de seus sonhos, está falando agora em aumento de eficiência. Quem aumenta a eficiência, reconfirma a existência. O Sistema S, portanto, permanece, pelo menos na visão do governo. Mas terá que mudar.

É um poderoso sistema que em 2002 abocanhou nada menos que R$ 3,34 bilhões – o equivalente a 0,25% do PIB – Produto Interno Bruto brasileiro. Com tanto dinheiro, essas entidades organizam cursos, realizam festas, promovem espetáculos, atilam a gula em sofisticados banquetes que celebram o ensinamento da culinária, ampliam colônias de férias e têm até hotéis de luxo à beira-mar. Dias atrás, ficamos sabendo que o marido da ex-ministra Benedita da Silva largou um emprego (ao qual, segundo consta, sequer comparecia) de mais de nove mil reais mensais no Sesc do Rio de Janeiro.

Tanto dinheiro também confere poder político de bom peso a dirigentes que, não raro, fazem carreira dentro do Sistema S para reforçar o exército de seus defensores. São (que não se generalize o carimbo) as “classes faladoras”, como se notabilizaram algumas dessas equipes já na década de 70/80. Enquanto uma parte do empresariado reclama dos pesados encargos que incidem sobre as folhas de pagamento, frustrando o alargamento da oferta de empregos, outra parte se organiza para justificar a manutenção dos descontos. A acanhada Federação das Indústrias do Estado do Paraná, na gestão dessas verbas que pegam carona com a falida Previdência, erigiu sem peias um monumento de concreto, vidro, mármore e granito no Capanema, em Curitiba, ao lado da favela de Vila Pinto, que nada deve a obra alguma de primeiro mundo.

A polêmica, que mobilizou céus e terras durante a Assembléia Constituinte de 88 (os que advogavam a extinção pura e simples do sistema foram derrotados), está de volta. De um lado, muitos dirigentes das diversas entidades ainda se apegam à tese de que o sistema é privado e, portanto, imune a manobras do governo. De outro, o governo entende que o sistema é no mínimo híbrido, ou tributário. Os recursos são arrecadados junto com os da Previdência e, portanto, seriam estatais, repassados após aos administradores. Sem muitas delongas, temos que admitir que tem mais sentido o entendimento do governo.

Sendo assim – e à luz do que ocorre de norte a sul em termos de perdulária gastança -, também faz sentido o que está dizendo o ministro Berzoini. Para ele, que agora acerta o passo com a realidade que de certa forma desprezou quando estava na Previdência Social, é necessário dar maior transparência à gestão dos recursos, que não são poucos, e propiciar maior interação entre o poder público e os administradores, com o objetivo final de garantir maior eficácia à sociedade. “Inclusive – diz ele sem meias-palavras – porque é o consumidor quem paga essa arrecadação, com o preço incluído nos produtos.”

Que venha, pois, a proposta do governo, segundo se anuncia, calcada no trabalho de uma comissão designada para analisar programas de qualificação profissional, incluídos aqueles que vivem das receitas do famigerado FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador. Mas que, no caso do Sistema S, não se atenha apenas aos cursos de qualificação, ou requalificação profissional. Sobrará mais para estes, sempre necessários, se houver maior controle e parcimônia nos gastos com outras coisas, muitas vezes mordomias e perfumarias impróprias para uma sociedade com tantos problemas como a nossa. Sem isso, é melhor que a reforma sindical do governo Lula enfrente o problema por inteiro, isto é, desmantelando tudo o que vive de contribuições compulsórias atiradas sobre o lombo de trabalhadores e empregadores com pretextos diversos.

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