O sagrado direito de propriedade

Exercício do direito de propriedade.

Sempre que o tema vem a ser lembrado, surge a idéia dos sujeitos passivos universais (leia-se: todos que não sejam o titular do bem) que se submetem aos ditames de respeito ao direito real que sempre se encontra atado ao conceito de propriedade.

Por conseqüência na tela que surge a nossa frente observam-se, ab initio, apenas e tão somente os direitos que são garantidos ao proprietário e porque não também, alguns deles, ao possuidor.

Uso, gozo, fruição, disponibilidade e direito de reivindicação. Idéias praticamente absolutas, com séculos de idade, que de imediato se fazem hialinas quando se escreve acerca deste palpitante tema.

Mas qual seria o limite do exercício de tais direitos.

Qual a linha divisória que delimita a utilização individual do patrimônio e a função social da propriedade, especialmente diante da constitucionalização do direito civil.

No inicio do século passado, por ocasião de Constituição de Weimar, muitos se chocaram com a expressão: A propriedade obriga. De fato os alemães possuem inteira razão.

Qualquer raciocínio em sentido oposto nos levaria a crer que, por exemplo, proprietários rurais, não estariam obrigados a preservar as áreas de reserva legal e preservação permanente.

Além disso, os impostos de um modo geral que incidem sobre a propriedade acompanham a coisa enquanto obrigações propter rem.

Quiçá fossem estas as únicas obrigações.

Como resolver juridicamente questões de invasão de áreas não utilizadas estejam estes terrenos, em zonas rurais ou mesmo urbanas, como na hipótese de construções abandonadas por seus proprietários ou ainda em terras férteis dessarte improdutivas.

Por razões óbvias, se no deslinde de tais questões nos abalizarmos pelos ideais napoleônicos certamente toda uma horda de excluídos continuará sem a devida proteção de Estado.

Dessarte seria esta a melhor solução?

Não teria cada proprietário uma espécie de responsabilidade social quanto à adequada destinação de seus bens imóveis.

Questiona-se se não seria o caso, com olhos no artigo 6.º da constituição Federal, alterado pela emenda n.º 26, que eleva à condição de direito social o direito a moradia, permitir aos excluídos que no terreno se instalaram que lá fiquem ante a desídia de seus proprietários, obviamente mediante a adequada indenização de tais imóveis considerando-se como parâmetros valorativos além do próprio valor do imóvel o fator destinação, haja vista que não mais se pode conceber o direito de propriedade como absoluto. Merece lembrança também, amparando o raciocínio esposado, o inciso XXIII, do artigo 5.º, da Carta Magna que impõe a observância da função social da propriedade.

Ou ainda o teor dos artigos 182 e 186 da mesma norma. Não seria a hipótese acima elencada (com a presunção de desídia dos proprietários) um exemplo de destinação social de um imóvel eis que não se sabe onde os sem-terra ou sem-teto no plano urbano haveriam de se alojar na próxima invasão.

Está na hora do direito ser pensado não mais sob o ângulo do indivíduo, mas sim do coletivo.

E quiçá, um dia, possa nosso amado País entender, também como coletividade, que faz jus à proteção jurídica todos aqueles que durante séculos não tiveram as oportunidades aqui conferidas a uns poucos escolhidos pelo destino.

Eis um tema à reflexão de todos.

Marcos Jorge Catalan

é professor de Direito Civil da Universidade Paranaense – Unipar / Paranavaí e da Universidade Estadual de Maringá, advogado, presidente da Associação de Defesa do Consumidor e do Meio Ambiente de Paranavaí.
marcoscatalan@uol.com.br

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