O relatório de Serraglio

Mesmo que este não fosse ano eleitoral, o parecer do paranaense Osmar Serraglio, relator da CPMI dos Correios, seria objeto de críticas do situacionismo. Os homens do governo, muitos deles acusados no referido documento, tudo fazem e tudo farão para que as denúncias nele contidas, fruto de meses e meses de investigações, sejam desacreditadas. Isso porque a CPMI dos Correios, que estendeu suas asas sobre outros campos onde ocorreram irregularidades, ou mesmo negociatas, ao procurar resumir os episódios que examinou, pintou um quadro surrealista do que vinha acontecendo na política brasileira.

Partindo-se do pressuposto de que o governo Lula tinha por base um partido pequeno, o PT, embora o presidente seja uma reconhecida poderosa liderança, desde logo seu governo foi montado por partidos que sempre pregaram ideologias e programas distintos do socialismo da agremiação dos trabalhadores. Às vezes, não só distintos, mas contrários. Aí tem gato na tuba, pois o governo conseguiu reunir os contrários em termos ideológicos e programáticos em torno de alguma coisa. Do poder, é certo, mas as posições pessoais dos deputados co-onestados precisava de algum ímã mais convincente. E este foi o dinheiro, os mensalões, que o relatório afirma terem existido e que eram distintos do caixa 2, dinheiro não contabilizado, não relatado à Justiça Eleitoral e, portanto, ilegal, com os quais foram compradas ou alugadas as legendas.

Houve corrupção política e, nela, passivos foram não só partidos políticos, via recebimento de caixa 2, como deputados e um senador, comprados ou alugados através de mesadas que foram apelidadas de mensalões. O interregno entre um e outro pagamentos não é de um mês exato, mas foram constantes e repetidos, pagos inclusive em ano em que não houve eleições. Isso leva por terra o argumento esfarrapado de defesa de que tudo era caixa 2, como se esta não fosse também um desvio político imperdoável e uma ilegalidade punível.

O relatório de Serraglio certamente não é perfeito, mas temos de considerar que resultou de investigações de uma comissão que tinha de adentrar a um mar de lama, um ambiente nada translúcido em que cada um sempre procurou tirar o seu da seringa. No mínimo, está provado que o PT fez empréstimos no Banco Rural e no BMG de R$ 55 milhões, operação que acabou sendo considerada uma ?mera formalidade contábil e financeira? para montagem de ?uma farsa? para ?mascarar a origem dos recursos?. As verdadeiras fontes desse dinheiro seriam os cofres públicos, como o fundo de recursos da Visanet, gerido pelo Banco do Brasil, e fontes privadas, como a Usiminas e a Telecom. Em quase todas as negociatas, foi usado o valerioduto, ou seja, o esquema montado pelo publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza, com suas várias empresas, muitas de fachada e criadas exatamente para intermediar esse tipo de operações financeiras.

Os argumentos para desacreditar o relatório não se sustentam, pois se nem tudo prova, o documento, que é resultado do trabalho de meses de toda uma comissão parlamentar, aponta os negócios, parte de seus valores em dinheiro, pois ainda se desconfia que mais foi desviado para a compra de apoios e votos e dezenas de políticos e partidos são indigitados como beneficiários. Muitos já confessaram seus crimes. Também apontados são dois ex-ministros de Lula, vários de seus correligionários ou companheiros. Enfim, a cúpula do poder e do PT de então. Se mais querem, que não seja rasgar o relatório, mas mandá-lo ao Ministério Público, à Polícia Federal e depois à Justiça. E que peguem todos os culpados, enquanto Lula tenta se reeleger, porque nada contra ele ficou provado. Nem a favor.

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