O que mudou com a nova Lei de Tóxicos – parte XXX – Do arquivamento do inquérito

O requerimento para arquivamento do inquérito policial está contido no art. 37, inc. I, da nova Lei de Tóxicos, sendo que, na lei antiga, não havia esta previsão legal.

Apesar de desnecessário, o § 1.º do citado artigo prevê que, requerido o arquivamento do inquérito pelo representante do Ministério Público, mediante fundamentação, os autos serão conclusos à autoridade judiciária.

Primeiro porque a necessidade de fundamentação está implícita no requerimento, o qual somente pode ser apreciado pela autoridade judiciária caso explicite os motivos. Não pode haver julgamento de pedido que não expõe ainda que suscintamente as razões ao menos de fato capazes de justificar o acolhimento da pretensão.

Quanto à necessidade de os autos de inquérito irem conclusos ao juiz, cuida-se de dever funcional do serventuário responsável pelo feito, o qual deve abrir conclusão dos autos sempre que haja algum requerimento.

Por esta razão cremos que, nem antes desta previsão legal, nem agora, é possível aplicar aquilo que a doutrina chama de pedido de arquivamento implícito e indireto, o qual ocorre, por exemplo, quando o representante do Ministério Público deixa de incluir na inicial acusatória algum fato investigado ou algum dos indiciados, sem manifestação expressa a respeito.

Dadas as conseqüências jurídicas e práticas do arquivamento do inquérito policial, não vemos como possa haver requerimento implícito ou indireto e muito menos arquivamento com decisão implícita ou indireta. Neste caso afronta-se inclusive preceito constitucional que obriga a fundamentação de todas as decisões judiciais (CF, art. 93, X).

Os requisitos para o arquivamento do inquérito policial não são encontráveis na Lei de Tóxicos nova ou antiga e nem mesmo no Código de Processo Penal. No nosso ordenamento jurídico a solução somente é encontrada na doutrina e na jurisprudência.

Na lição de Júlio Fabbrini Mirabete, o Ministério Público, “de acordo com o princípio da obrigatoriedade, deve formular um juízo de valor sobre o seu conteúdo, para avaliar da existência, ou não, de elementos suficientes para fundamentar a acusação. Caso não encontre tais elementos (tipicidade do fato, indícios de autoria, condições de procedibilidade ou de punibilidade etc.), cumpre-lhe requerer ao juiz o arquivamento.ª Observa-se que o princípio da obrigatoriedade da propositura da ação penal atualmente encontra-se em choque com a previsão da Lei 9.099/95; por isso, a doutrina o tem denominado de obrigatoriedade mitigada.

Sem requerimento ou manifestação favorável do Ministério Público, o juiz não pode determinar o arquivamento do inquérito policial.

Por outro lado, “a autoridade judiciária que discordar das razões do representante do Ministério Público para arquivamento do inquérito fará remessa dos autos ao procurador-geral da Justiça, mediante decisão fundamentadaª (art. 37, § 2.º da nova lei).

Esta previsão legal, especialmente quanto à remessa ao procurador-geral para solucionar a controvérsia encontra-se prevista no art. 28 do Código de Processo Penal.

A nova lei trouxe algumas alterações que, na prática, podem ser consideradas importantes, inclusive gerando dificuldade na sua implementação.

Observe-se que a nova lei fala em remessa do autos enquanto a norma instrumental geral prevê a remessa do inquérito ou peças de informações. Portanto, pela previsão do Código de Processo Penal, o juiz pode remeter ao procurador-geral apenas peças de informações do inquérito. Lógico que aí deve ser entendida também a manifestação que requer o arquivamento e a decisão judicial que discorda dos seus fundamentos. Pela nova lei, teriam que ser encaminhados os autos de inquérito, não se contentando apenas com peças de informações.

Assim, no caso do pedido de arquivamento referir-se apenas a um dos indiciados e houver denúncia quanto aos demais, pela interpretação literal do dispositivo da nova lei, teriam que ser remetidos os autos de inquérito. Neste caso não haveria como dar prosseguimento à ação penal.

Cremos que pelo bom senso na interpretação das normas legais, a possibilidade de remessa ao procurador-geral apenas de peças e informações continua vigendo também para os crimes de tóxico, podendo esta providência ser adotada em qualquer hipótese, incidindo no caso a regra do art. 573 do Código de Processo Penal, segundo o qual, “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.ª

O mesmo raciocínio vale para os casos de pedido de arquivamento somente de quaisquer peças de informações. Inclusive esta possibilidade não está contemplada expressamente na nova lei, devendo ser entendido que, na previsão requerer o arquivamento, está contido também quaisquer peças de informações.

Outra modificação refere-se à exigência, agora expressa, obrigando o juiz a demonstrar fundamentadamente, através de decisão, das razões que o levaram a discordar do requerimento do inquérito, antes de remeter os autos ao procurador-geral da Justiça. No art. 28 do Código de Processo Penal não há esta determinação, porém, esta obrigatoriedade extrai-se já da nossa Constituição Federal ao obrigar que toda decisão judicial deve ser fundamentada. Trata-se, portanto, de inovação que, na prática, não tem qualquer efeito, servindo apenas como alerta para os magistrados.

No § 3.º do citado art. 37, está previsto que “o procurador-geral de Justiça oferecerá denúncia ou designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la ou, se entender incabível a denúncia, ratificará a proposta de arquivamento, que, nesse caso, não poderá ser recusada pela autoridade judiciária.” Este dispositivo legal repete a parte final do art. 28 do Código de Processo Penal, o qual também prevê que o procurador-geral “oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.”

No caso de o procurador-geral entender que não seja o caso de arquivamento, ou oferecerá de imediato a denúncia ou designará outro representante do parquet para esta providência.

No caso de os fundamentos da rejeição do arquivamento estiverem embasados em questões diversas do oferecimento da denúncia naquele momento, como, por exemplo, aprofundamento das investigações ou colheita de determinada prova para formação do juízo provisório de culpa do indiciado, não haverá o oferecimento da denúncia, apenas o procurador-geral designará outro representante do Ministério Público para oficiar no inquérito.

Sendo mantido o entendimento do Ministério Público pelo procurador-geral, o juiz terá que acatar a decisão e proceder ao arquivamento.

Note-se que neste caso a decisão judicial que determinar o arquivamento não será fundamentada, cujas razões serão encontradas na motivação do órgão da acusação.

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia a nível superior pela PUCPR e especialista em Direito Processual Penal, também pela PUCPR, autor de diversos artigos e livros, inclusive, já na 2.ª edição, o livro Tóxicos – Manual Prático – Respostas às dúvidas surgidas com a Lei n.º 10.409/02.

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