O que mudou com a nova Lei Antitóxicos – parte XIV – Dos crimes de bagatela

Para os delitos capitulados nos arts. 15, 16 e 17 da Lei 6.368/76, não se aplicam nem as disposições das Lei de Tóxico antiga ou nova, nem o Código de Processo Penal, mas sim, as disposições da Lei 9.099/95, na parte que regula os delitos de pequeno potencial lesivo.

Aos crimes dos arts. 15 e 16 está prevista pena máxima de dois anos de detenção, enquanto para o delito do art. 17, a sanção corporal chega somente a seis meses de detenção.

A Lei 9.099/95 normatizou pela primeira vez no direito brasileiro, de forma diferenciada dos demais crimes e contravenções, os chamados ilícitos de “bagatela”, ou de pequeno potencial lesivo, como dito nessa norma.

Para configurar esta modalidade de ilícito, a lei leva em conta o quantum máximo de pena corporal prevista para o tipo penal.

Este patamar na Lei 9.099/95 está previsto no art. 61, segundo o qual, “consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano”.

A Lei 10.259, de 12.07.2001, instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, e para os fins do requisito do quantum da pena corporal, prevê que “consideram-se infrações de pequeno potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa” (art. 2.º, parágrafo único).

Por interpretação literal destes dois dispositivos legais teríamos para configurar os ilícitos de pequeno potencial lesivo perante a Justiça Federal, como requisito relativamente ao máximo de pena atribuída para o tipo, o patamar de, no máximo, dois anos de pena privativa de liberdade, enquanto as infrações a serem julgadas pela Justiça Estadual e outros foros especiais seria de até um ano de sanção penal.

Ocorre que o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica não autoriza a aplicação destas normas legais segundo a interpretação literal destes dispositivos.

Apesar de a Lei 10.259/2001 fazer expressa referência que a sua incidência apenas se dá no âmbito de sua aplicação (Juizados Especiais Criminais da Justiça Federal), não é possível dar guarida a esta previsão, porque qualquer benesse ou gravame aplicado às condutas infracionais não podem ser fixados com base unicamente na competência da Justiça em que tramitará o feito.

Essa diferenciação fere o princípio de igualdade insculpido no art. 5.º, caput, da Constituição Federal, pois não é possível dar-se tratamento desigual a infrações iguais, unicamente em função da competência do juízo para processar e julgar a matéria.

Os benefícios e gravames previstos para determinados delitos ocorrem em razão das características do ilícito penal, das circunstâncias da infração ou da qualidade do agente, mas nunca em razão do juízo processante. Assim, havendo lesão a um mesmo bem jurídico tutelado, para os fins de tratamento penal, especialmente em relação às questões de direito material, é indiferente quanto ao foro onde tramitará o processo. A sanção é fixada em função do bem jurídico tutelado e não em razão do foro.

Novamente caberá ao Poder Judiciário resolver esta confusão criada pelo legislador. Cremos que não há outra solução senão aplicar o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, previsto no art. 2.º, parágrafo único da Lei 10.259/2001.

Assim, apesar de não constar expressamente na Lei 10.258/2000, a derrogação do art. 61, da Lei 9.099/95, pelo princípio da retroatividade da lei penal mais favorável ao acusado, este dispositivo legal restou derrogado, passando a ser aplicável a lei mais nova.

“Portanto, para todos os delitos considerados de pequeno potencial lesivo, o requisito referente ao quantum máximo da pena previsto para o tipo passou a ser de dois anos, independentemente do juízo em que se processar o feito”.

Verifica-se hoje que é majoritária a interpretação determinando que o patamar máximo de dois anos de pena privativa de liberdade fixado pela Lei 10.259/2001, aplica-se à Lei 9.099/95, estando derrogado o art. 61 na parte em que fixava este limite em um ano.

Luiz Flávio Gomes justifica esta conclusão valendo-se do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, e da igualdade, havendo ainda outros fundamentos fincados no princípio da retroatividade da lei penal mais benigna.

Por isso, nos casos dos delitos capitulados nos arts. 15, 16 e 17 da Lei 6.368/76, aplica-se integralmente a Lei 9.099/95, desde o ato prisional até a extinção da punibilidade pelo cumprimento da reprimenda.

Já é possível encontrarmos doutrina negando a possibilidade de aplicação desse benefício para os delitos de uso de substância tóxica, sob o fundamento de que para este tipo penal incide sanção privativa de liberdade e pecuniária. Segundo este entendimento, tal benefício somente é possível de ser aplicado quando não haja cumulação de sanções.

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia a nível superior, pela PUC/PR, especialista em Direito Processual Penal, também pela PUC/PR, autor de diversos artigos e livros, estando a obra “Tóxicos – Manual Prático – Respostas às dúvidas surgidas com a Lei 10.409/02”, já na 2.ª Edição.

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