O “prêmio” da loteria judicial

Senhoras e Senhores, façam suas apostas!

A loteria judicial é uma forma fácil de se enriquecer e sua probabilidade de ganho é muito maior do que qualquer loteria e é legalizada.

Como funciona? Existem vários tipos de apostas, entre elas podemos citar:

– se o Sr.(a) não quer pagar suas contas;

– se o Sr.(a) quer ganhar um bom valor de dano moral;

– se o Sr.(a) vai receber multa diária;

– se o Sr.(a) tem plena consciência que é culpado numa determinada situação.

Qual o preço das apostas? Depende. Se sua ação for proposta no Juizado Especial não precisa pagar nada, se for na Justiça Comum, ela é cara.

Como é feito o sorteio? O sorteio começa quando a ação é distribuída a uma das varas, nos fóruns onde existe mais de uma, indo então para as mãos do juiz.

Qual o "prêmio"? O "prêmio" é bastante variado, tudo depende da causa e do que o juiz irá julgar. Vejamos:

– para o primeiro caso, seu prêmio normalmente será o de contar com a demora do Judiciário para o julgamento da causa, seu benefício está ligado diretamente com o tempo, quanto mais tempo demorar o julgamento, mais tempo você terá para não pagar e vice-versa. Normalmente esse tempo é longo e, para o tempo de demora, sempre existe uma justificativa, mas você que não quer pagar, não precisa se incomodar com isso, não se estresse, a demora do Judiciário está do seu lado.

– Quanto ao segundo caso, o Sr.(a) não precisa se preocupar. O juiz normalmente não questiona se você está rindo ou chorando, assim se o Sr.(a) teve seu nome indevidamente incluído na Serasa e está contente porque vai receber uma boa indenização, ao invés de estar se sentindo moralmente abalado, o Sr.(a) receberá em média o " prêmio", conhecido por compensação de R$ 10.000,00. Após uma década, os juizes começam a diminuir os valores desses "prêmios", pois a demanda estava muito grande. É a lei de mercado, quanto maior a oferta, menor o preço. Muitos juizes ainda fixam valores de indenização sem critério objetivo nenhum, aproveitem, para eles um título protestado merece um valor de indenização maior do que aquela decorrente da perda da vida;

– a multa diária, essa é uma das mais novas vedetes do Judiciário. Importada da França, onde é chamada de astreinte, chegou ao Brasil sem o manual de utilização. Certamente que o Judiciário deve estar entrando com uma ação contra o exportador francês porque não estão sabendo utilizá-la na prática. Desculpem-me Srs.(as), esqueci que estou falando de loteria e não de direito!!! Dessa forma, seu uso está sendo muito bem feito. Aqui o "prêmio" é cumulativo, ou seja, o "prêmio" normalmente é diário e os valores são variados, tudo depende do juiz, levar alguém a insolvência é coisa que não se passa na cabeça de muitos juizes, que só pensam no "prêmio". Dessa forma, dou um exemplo real: numa causa onde uma pessoa pleiteava a importância de R$ 10.000,00 em 1998 porque não havia recebido a liberação de um imóvel comprado, hoje, após ela ter recebido o apartamento, pleiteia R$ 2.800.000,00 ( dois milhões e oitocentos mil reais ), só de multa diária fixada pelo juiz!!!

– no último caso, novamente o Sr.(a) vai contar com a sorte. Se o Sr.(a) sabe que não tem razão numa causa, uma boa mentira do advogado que se propuser a fazer isso, poderá convencer o juiz. Pense bem: o Sr.(a) houve constantemente falar que os juízes tem muitos processos para julgar e isso faz com que eles não tenham tempo de ler com atenção todas as causas que lhes são encaminhadas, ao contrário do que acontece com os advogados, que normalmente lêem com muita atenção os processos e ainda muitas vezes, com seus clientes. O juiz, ao não ler a causa com atenção e julgá-la, lhe dará o "prêmio" de vencer uma ação da qual o Sr.(a) sabia não ter razão.

Como se percebe, o Judiciário pode servir de loteria para aqueles que querem ganhar dinheiro com facilidade. Ouvi dizer que se trata de uma questão cultural.

Assim, " uma das maiores desgraças para um homem consiste em ficar louco, em viver no erro, na ilusão e na ignorância. Oh! como estão redondamente enganados! Respondo-lhes, ao contrário, que é justamente nisso que consiste o homem. Confesso-vos que não sei explicar como podem tratar de infelizes os meus loucos, sendo a loucura, como é, patrimônio universal da humanidade, e quando todos os mortais nascem, educam-se e se conformam com ela. " (Erasmo de Rotterdam. Elogios da Loucura. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 46).

Se algum juiz estiver se sentindo ofendido com a triste realidade desse artigo (espero que sejam poucos!), não o leve como uma ofensa, mas sim como uma crítica pela melhor aplicação do direito e se ainda assim não estiver satisfeito, peço a " Deus ", um habeas corpus preventivo, antes de morrer queimado!!!

Robson Zanetti é advogado em Curitiba e Brasilia. Doctorat Droit Privé Université de Paris 1 Panhtéon/Sorbonne. Corso Singolo Università degli Studi di Milano.

E-mail: robsonzanetti@robsonzanetti.com.br

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