O plano de recuperação judicial, previsto na Lei 11.101/05

No âmbito do processo de recuperação judicial, previsto na Lei 11.101/05, profere o juiz três importantes decisões, quais sejam: (I) a que manda processar o favor legal, consoante art. 52; (II) a que concede a recuperação judicial, em consonância com o art. 58, (III) e a que encerra o processo (art. 63). Portanto, o Estado-juiz, ao determinar o processamento da recuperação judicial, terá a responsabilidade de conduzir o processo, tendente à efetiva reorganização da entidade deficitária. Caso o devedor deixe de cumprir rigorosamente o art. 51, não apresentando a documentação ali exigida, poderá o juiz condutor do processo, com apoio no art. 284 do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente à nova lei, consoante regra do art. 189 desta), determinar seja emendada ou completada a petição inicial, com a juntada de documentos indispensáveis.

Sendo refratária a parte interessada (devedor), deverá o juiz, tecnicamente, indeferir a inicial, e não decretar a falência. Por que não se pode falar em decretação de falência nesse momento processual? Porque as possibilidades de a falência ser decretada, no curso da recuperação, estão previstas textualmente no art. 73 do novo texto. Todas as hipóteses ali estabelecidas somente podem ser observadas após a decisão judicial que determina seja processada a recuperação. Então, o máximo que poderá o juiz fazer, em caso de o devedor não apresentar a inicial compatível com a realidade, e em consonância com a legislação em vigor, é indeferi-la, não sendo possível, por interpretação do art. 73, a decretação imediata da falência.

Em sendo recebida a petição inicial, determinando, por conseguinte, o regular processamento da recuperação judicial, cumprirá ao juiz observar rigorosamente o contido no art. 52, cabendo ao devedor, aí sim, sob pena de ser-lhe decretada a falência (art. 73, inc. II), apresentar no prazo de 60 (sessenta) dias o plano de recuperação. Duas situações deveras importantes: O prazo de 60 dias não pode ser preclusivo, com a conseqüente falência (art. 53, parte final), podendo sim o devedor, à luz dos princípios constitucionais e razões pertinentes, requerer dilação de prazo para a juntada do plano de recuperação judicial. Repita-se: sendo certo que a intenção da lei é conceder ao devedor mecanismos tendentes a superação da crise momentânea, e caso inexista possibilidade, aí sim decretar-se-á a falência, claro que não se pode falar em prazo rigoroso de 60 dias. Evidentemente que deverá haver interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos legais, afastando-se o método gramatical, sob pena de decretação da falência.

Uma segunda situação diz respeito ao prazo para a chamada ?objeção? de credor quanto ao plano pelo devedor apresentado. A lei é totalmente confusa quanto ao termo final do prazo, e o legislador poderia ter sido mais objetivo, mais claro, mas não o foi. Para se ter uma idéia da verdadeira miscelânea criada pela lei, basta a leitura dos artigos 52, § 1.º, inc. III; 53, parágrafo único; 55 e seu parágrafo único, e o art. 7.º, §§ 1.º e 2.º. Em resumo: o credor que tenha ciência (nas mais variadas formas) do processamento do favor legal deverá perlustrar os autos do processo, e assim que juntado o plano de recuperação caberá a ele (credor) apresentar as ?objeções? que tiver no prazo de 30 (trinta) dias. Essa é a melhor solução, s.m.j., sob pena de se perder a oportunidade de apresentar a ?objeção?.

Apresentado o plano de recuperação, documento deveras importantes para que sejam buscados os objetivos traçados pela lei tentativa de recuperação (reorganização), e cumprido rigorosamente o dispositivo no art. 53, pelo devedor, poderá qualquer credor, em petição fundamentada e instruída com as provas necessárias, apresentar a ?objeção?. Muito embora o art. 56 estabeleça que, apresentada objeção por qualquer credor, deverá o juiz convocar a assembléia geral de credores para deliberação a respeito, entendo que tal dispositivo deve ser recebido com muitas reservas.

Primeiramente, sendo certo que o Código de Processo Civil é de ser observado supletivamente, caberá inicialmente a intimação do devedor a fim de que em prazo razoável (interpretação do art. 185 do CPC) se pronuncie a respeito da impugnação pelo credor apresentada, observado o princípio da bilateralidade de audiência.

Isso porque a impugnação do credor poderá ser restrita a um único aspecto, situação totalmente contornável, sem que haja necessidade de convocação da assembléia, muito embora o art. 35, inc. I, letra ?a?, estabeleça que a este órgão é dada a atribuição de aprovar, rejeitar ou mesmo modificar os termos do plano de recuperação pelo devedor apresentado. Sendo certo que a intenção da lei é que haja processo célere, com economia processual, caso o credor apresente objeção relativa a somente a crédito seu, não há o porque de se convocar assembléia.

Impende destacar que o art. 55, § 4.º estabelece que, rejeitado o plano de recuperação, pela assembléia geral de credores, o juiz decretará a falência do devedor.

Também cabe interpretação teleológica de tal dispositivo legal: a última palavra no processo é sempre a do juiz condutor da recuperação, evidentemente. Não menos certo que numa assembléia de credores, composta pelas mais variadas classes de credores (art. 41), não haverá posição uníssona, e não menos certo que dificilmente um credor participante de assembléia ?cederá? para que haja a recuperação ampla do devedor. Na grande maioria das vezes a intenção do credor é receber a integralidade do crédito. Há, então, verdadeiro conflito de interesse, de um lado o credor, que pretende receber seu crédito, se possível na integralidade; de outro o devedor, que tenta se recuperar e para tanto pede a tutela jurisdicional. Caso inexista razoabilidade nas pretensões, tanto de credor quanto de devedor, certamente o plano de recuperação estará fadado ao insucesso. O exemplo típico pode ser dado consoante leitura dos processos de recuperação envolvendo grandes entidades. Nem sempre há consenso e convergência.

Há dificuldade para se chegar a um consenso e somente teremos inequívoca certeza que um processo de recuperação judicial logrou êxito, e atingiu o objetivo colimado pela lei, após estar encerrado o procedimento e passados alguns anos, quando a entidade já estiver novamente atuando de forma regular no mercado. Evidentemente que os credores reunidos em assembléia geral terão a inequívoca certeza de que, caso não exista cedência recíproca, certamente haverá a falência do devedor, e isso é totalmente incompatível com a realidade atual. O credor sabe até que ponto poderá ?pressionar? a fim de lograr êxito no recebimento total de seu crédito.

Assim, caso inexista convergência de interesses e o plano venha a ser rejeitado, caberia, segundo a lei, a imediata decretação da falência. Será? Bem, o propósito da lei (art. 47) é conceder, ao devedor infeliz e de boa-fé, mecanismos para que ao menos tente sua recuperação (dentre outras, as hipóteses elencadas no art. 50), muito embora a solução do mercado devesse ser, a meu sentir, a melhor saída. Primeiramente busca-se a superação da crise momentânea, nas suas modalidades próprias, e caso inexista êxito, daí sim, deverá haver a imediata retirada do mercado, mediante decretação da falência.

Então, cabendo ao juiz a última palavra no processo, caso opte a assembléia pela rejeição do plano do devedor, não poderá haver imediata falência, como diz a lei. Isso porque, como dito, haverá de forma inequívoca, conflito de interesses, posições divergentes, e ao juiz, conhecedor de todos os atos praticados, caberá a palavra final. Nem sempre a falência será a melhor solução. Observe-se, sempre, o princípio da razoabilidade, cabendo aos credores e ao devedor a ponderação necessária e o equilíbrio a fim de que o processo cumpra sua real finalidade. Não se olvide, ainda, e por relevante, que prevê textualmente o art. 58, § 1.º, que o juiz poderá conceder a recuperação mesmo que não aprovada pela assembléia geral, observadas as hipóteses elencadas nos incisos.

Assim, evidentemente que a nova lei carece de interpretação sistemática e teleológica.

Carlos Roberto Claro é especialista em Direito Empresarial; professor assistente de Direito Societário e falimentar das Faculdades Integradas Curitiba; autor dos livros ?Revocatória Falimentar? e ?Lei de Falências e Concordatas anotada à luz da jurisprudência?; organizador do livro ?Falência & Recuperação texto comparativo entre a Lei 11.101/05 e o Dec.- Lei 7661/45?, todos editados pela Juruá Editora – Curitiba.

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