O Ministério Público e a investigação criminal

Atravessa o Ministério Público um momento crucial de sua história recente. Depois da decisão final no sentido de que a denúncia de crimes fiscais depende inexoravelmente da constituição definitiva do tributo pelo Poder Executivo e da Lei n.º 10.628/02, que instituiu o foro privilegiado em ações de improbidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, conforme vem sendo amplamente divulgado pela imprensa, está na iminência de decidir acerca da possibilidade ou não de o Ministério Público investigar diretamente crimes.

Conquanto possam ser vislumbrados ocasionalmente excessos de alguns membros da instituição, como, por exemplo, a divulgação, às vezes de forma prematura, de dados de investigações criminais, e, conseqüentemente, certo ressentimento de autoridades públicas em relação ao Ministério Público, tais motivos não constituem argumento para comprometer todos os esforços até agora realizados.

Nessa perspectiva deve ser posta a atual discussão acerca dos poderes investigatórios do Ministério Público. Isso porque não há qualquer argumento jurídico que justifique proibir seus membros de eventualmente colher provas sem o auxílio da polícia. As atribuições conferidas à instituição pelas normas constitucionais são amplas o suficiente para abranger essa possibilidade. Por outro lado, a atribuição constitucional da função investigatória aos órgãos policiais não exclui a circunstância do exercício dessa atividade por outros órgãos. É que as normas que atribuem poder investigatório à polícia não devem ser interpretadas como sendo a outorga de monopólio ou privilégio, mas uma função a ser exercida em benefício da sociedade, sob pena de se estar instituindo um suposto ?direito? de alguém ser investigado apenas e tão-somente pela polícia.

A questão ainda deve ser visualizada sob o ponto de vista pragmático. Cogite-se de cidadão que procura o Ministério Público para comunicar um crime ou promotor que expede ofício a órgão governamental solicitando informações administrativas a fim de apurar eventual crime de corrupção. Qual a gravidade da prática de tais condutas pelo Ministério Público? Seria razoável impedi-las?

Até se compreende o desejo de maior integração entre o Ministério Público e a Polícia. Os melhores resultados no combate aos crimes surgem quando as duas instituições atuam em conjunto, deixando de lado vaidades pessoais. Não obstante, eventual e pontualmente, a investigação direta do Ministério Público pode mostrar-se justificável, como, entre tantos outros, nos casos onde policiais ou seus agentes políticos superiores estão sendo investigados. Proibi-la, em absoluto e em abstrato, ignorará essa necessidade e não necessariamente levará à desejável integração entre as instituições.

Também deve ser ressaltado que, ao prevalecer o entendimento restritivo, subsiste a necessidade de se decidir acerca da validade de prova colhida em desrespeito a essa proibição. A invalidade é apenas uma das sanções possíveis no âmbito jurídico e talvez a mais grave. Pode se compreender que recaia sanção da espécie sobre provas colhidas em desrespeito às garantias constitucionais dos cidadãos (v.g. prova obtida através de busca domiciliar sem mandado judicial). Entretanto, seria esta a sanção apropriada para sancionar a conduta de promotor que toma diretamente um depoimento? Justifica-se a liberdade de um criminoso diante de um erro menor, ou seja, de uma prova produzida por uma instituição que não a polícia?

A interpretação do Direito deve ser guiada pelo bom senso. Cercear o poder do Ministério Público de investigar diretamente crimes afronta a natureza da instituição. No momento em que sociedade brasileira é surpreendida, semanalmente, com novos escândalos envolvendo graves crimes, cercear o poder do Ministério Público de investigar não é sequer conveniente. A instituição tem suas falhas. Não serão elas, porém, sanadas com medidas que não se justificam e que afetam não só os seus interesses corporativos, mas também os interesses da sociedade. Isso para o bem de todos, pois, neste momento histórico, a batalha a ser travada é contra a corrupção que assola o país, e não contra as instituições que cerram fileiras nesta trincheira.

Sérgio Fernando Moro é juiz federal no Paraná, titular da Vara Especializada nos Crimes de Lavagem de Dinheiro, doutor em Direito do Estado (UFPR).

Anderson Furlan Freire Silva é juiz federal no Paraná e professor da Escola Superior da Magistratura.

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