O louco deve cumprir medida de segurança perpetuamente?

g11.jpgDesde o final do século XIX a ciência penal discute qual seria a melhor forma de se tratar o delinqüente louco. É certo que ele não pode cumprir pena em presídio comum e muito menos ficar junto com os demais detentos mentalmente normais. Para os loucos devemos reservar as medidas de segurança, que hoje consistem em internação em hospital de custódia e tratamento ou em tratamento ambulatorial. Quando o louco comete algum delito punido com reclusão, automaticamente será internado (porque é presumido perigoso). Mas internado deve permanecer até quando?

Por força do Código penal brasileiro a medida de segurança dura por tempo indeterminado (art. 97). Persiste até que se comprove por laudo médico a cessação da periculosidade. Enquanto não cessada esta o agente deve ficar recolhido. Isso significa, na prática, que a medida de segurança no Brasil pode ter caráter perpétuo.

Muitas pessoas hoje, por sinal, acham-se recolhidas nessa situação. O caso mais famoso no Brasil foi, sem sombra de dúvida, de Índio Febrônio do Brasil, que ficou 57 anos num hospital de custódia no Rio de Janeiro. Entrou com 27 e morreu com 84 anos, dentro do hospital, cumprindo medida de segurança.

O problema é que a Constituição Federal proíbe a pena perpétua (CF, art. 5.º, inc.XLVII, "b"). Por seu turno, o art. 75 limita o cumprimento da pena de prisão em trinta anos. A questão é a seguinte: esses limites (constitucional e legal) previstos para a pena também incidem nas medidas de segurança? A resposta (constitucionalmente falando) só pode ser positiva, porque a medida de segurança detentiva tem caráter aflitivo (e é privativa de liberdade). Na essência, portanto, a pena de prisão não difere em nada da internação: ambas privam a pessoa de sua liberdade em razão do cometimento de um delito, ambas são aflitivas.

Justamente nessa linha há recente julgado da Primeira Turma do STF (HC 84.219, j. de 09.11.04, ainda não concluído) – cf. Informativo 369 do STF, rel. Min. Marco Aurélio – que está enfatizando o seguinte: "A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende a extinção de medida de segurança aplicada à paciente, diagnosticada como doente mental pela prática do delito de homicídio, cujo cumprimento, em hospital de custódia e tratamento, já ultrapassara trinta anos. A impetração é contra decisão do STJ que indeferira a mesma medida, sob o fundamento de que a lei penal não prevê limite temporal máximo para o cumprimento da medida de segurança, somente condicionada à cessação da periculosidade do agente. Sustenta-se, na espécie, com base no disposto nos artigos 75 do CP e 183 da LEP, estar a medida de segurança limitada à duração da pena imposta ao réu, e que, mesmo persistindo a doença mental e havendo necessidade de tratamento, após a declaração da extinção da punibilidade, este deve ocorrer em hospital psiquiátrico, cessada a custódia. O Min. Marco Aurélio, relator, deferiu o writ para que se implemente a remoção da paciente para hospital psiquiátrico da rede pública, no que foi acompanhado pelos Ministros Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Considerou que a garantia constitucional que afasta a possibilidade de ter-se prisão perpétua se aplica à custódia implementada sob o ângulo de medida de segurança, tendo em conta, ainda, o limite máximo do tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade a que alude o art. 75 do CP, e o que estabelece o art. 183 da LEP, que delimita o período da medida de segurança ao prever que esta ocorre em substituição da pena, não podendo, dessa forma, ser mais gravosa do que a própria pena. Com base nisso, concluiu que, embora o §1.º do art. 97 do CP disponha ser indeterminado o prazo da imposição de medida de segurança, a interpretação a ser dada a esse preceito deve ser teleológica, sistemática, de modo a não conflitar com as mencionadas previsões legal e constitucional que vedam a possibilidade de prisão perpétua. Após, pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence".

Como se vê, já são quatro votos favoráveis à tese de que as medidas de segurança também se sujeitam ao limite de trinta anos (CP, art. 75). Resta agora somente o voto do Min. Sepúlveda Pertence que, de qualquer modo, não alterará o resultado final. E o que devemos fazer com o louco quando vence o prazo de trinta anos? Cessa a medida de segurança e cessa também a jurisdição da Justiça penal. Mas e se perdura a loucura? Deve o paciente ser transferido para hospital da rede pública, eliminando-se a intervenção da Justiça penal. É a nova solução do STF, bastante consentânea com o Estado Democrático de Direito brasileiro (que não tolera a privação perpétua da liberdade).

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), consultor e parecerista e diretor-presidente do IELF-PRO OMNIS: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1.ª Rede de Ensino Telepresencial da América Latina – Com a Pro Omnis o IELF ficou maior e melhor – www.proomnis.com.br).

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