O julgamento de Renan

O julgamento do senador Renan Calheiros no Conselho de Ética do Senado é um passo adiante na moralização da vida pública brasileira. Mas pode ser também prenúncio de uma derrapada nesse processo e o retorno a uma posição ainda mais aviltante do que a que vinha sendo vivida desde que o presidente do Senado começou a receber sucessivas acusações de quebra da ética parlamentar. O julgamento resultou numa votação esmagadora contra o político alagoano. Foram onze votos a favor da cassação do mandato e apenas quatro contra, com um contundente relatório condenatório dos senadores Renato Casagrande (PSB-ES) e Marisa Serrano (PSDB-MS). Votaram a favor de Renan apenas os senadores Wellington Salgado, seu correligionário do PMDB mineiro; Almeida Lima, que sempre foi seu defensor, dispensando argumentos; Gilvam Borges, também correligionário, e o petebista maranhense Epitácio Cafeteira, que quando presidente da comissão tentou o arquivamento prévio e sem exame das acusações.

Relevante o fato de os senadores do PT, agremiação do presidente Lula, em número de três na Comissão de Ética, terem votado unanimemente pela cassação. Foram eles Eduardo Suplicy, parlamentar ao qual sobejam qualidades éticas nunca duvidadas nem mesmo por seus adversários políticos; Augusto Botelho e João Pedro.

O perigo de tudo transformar-se numa enorme pizza, com a absolvição final de Renan e a condenação indefectível do próprio Senado, que se atiraria na lama perante a opinião pública, está no voto secreto no plenário da Casa presidida pelo indiciado, mesmo enquanto era julgado. Depois de uma luta ferrenha, conseguiu-se que o relatório condenatório na Comissão de Ética pudesse ser conclusivo e apreciado com voto aberto. Os defensores de Renan queriam voto secreto e relatório não conclusivo. A decisão final é do plenário do Senado, que votará (é da Constituição) secretamente. O julgamento acontecerá na semana que vem. Mas já começaram as negociações de votos de parte dos que querem a absolvição de Renan Calheiros. Não se pode esquecer que o PMDB, partido do senador alagoano, é majoritário no Congresso e, para cassá-lo, são precisos no mínimo 41 votos. O PMDB é aliado do governo, a base do consórcio partidário que dá sustentação a Lula e no qual o PT é importante, porém não majoritário. Os petistas da Comissão de Ética votaram pela cassação. Um voto que não foi político, mas de apreciação ética. Os quatro senadores petistas estão convencidos de que Renan infringiu as normas éticas parlamentares não uma, mas várias vezes. E que tais atitudes, e ainda sua teimosa permanência na presidência da Casa enquanto era por ela julgado, foi um atrevimento que deixou o Senado em posição terminal perante a opinião pública. Não levaram em consideração a existência do amplo acordo político do PMDB com Lula, que transferiu para aquela agremiação poderes que chegam a superar os do próprio PT. O PMDB tem ministros, gente sua em outros elevados cargos e decide as votações no Congresso em favor do Executivo, quando quer e quando lhe convém.

Os votos petistas contra Renan estão sendo vistos pelos peemedebistas como ameaça ao acordo. Já estão cobrando de Lula e do PT uma posição pró-Calheiros no plenário do Senado, onde tudo será feito às escuras, secretamente. E, aí, tanto pode confirmar-se a condenação, como haver um recuo em nome de interesses políticos e uma absolvição justificada apenas para preservação de interesses da coalizão partidária que dá sustentação ao governo.

Lula fez um curto discurso no qual disse uma porção de coisas, mas nada conclusivo. Declarou que o problema é do Congresso e não do governo, o que é uma forma de lavar as mãos perante a sociedade, seja lá qual for o resultado. Mas com certeza prefere a absolvição de Renan, para não ter de renegociar o acordo com o PMDB ou mesmo perder o seu apoio.

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