O julgamento da pretensão indenizatória da vítima na ação penal

Prevê o artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, que o juiz, ao proferir a sentença penal condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Trata-se da concessão, na esfera criminal, de indenização em favor da vítima para reparação de danos decorrentes do crime que se alega haver sido praticado pelo réu.

Discute-se sobre a (im)propriedade e (in)constitucionalidade dessa hipótese, considerando a atribuição de competência extraordinária (em todos os sentidos) ao juízo da ação penal.

Aury Lopes Jr. se manifesta de maneira contrária a tal instituto quando afirma que a medida se refere à tutela de interesses privados; não gera economia processual; causa confusão lógica devido à natureza distinta das pretensões e busca a satisfação de pretensão alheia à função, estrutura e princípios informadores do processo penal (1).

Da leitura do artigo supramencionado extrai-se que o juiz fixará o valor referente à indenização, independentemente do pedido da parte, ou seja, poderá fazê-lo ex officio. Sabe-se que tal conduta não pode ser adotada pelo magistrado sequer na esfera cível, sob pena de ferir sua imparcialidade, o que demonstra a incoerência de que seja observada na esfera criminal.

A ação penal tem por objetivo o julgamento do réu quanto à sua inocência ou responsabilidade pelo crime pelo qual é acusado, o que envolve diretamente a sua liberdade. Trata-se de ação, simplificadamente, entre estado e acusado, de caráter público e envolvendo direito indisponível. Por outro lado, a concessão de indenização refere-se a direito disponível, privado e de natureza patrimonial, uma pretensão da vítima em face do acusado. Com a aplicação do art. 387, IV, do CPP confundem-se na mesma ação os interesses do réu (a liberdade, a inocência) e os da vítima (a indenização, a punição do acusado). O processo torna-se confuso e demorado, pois engloba pretensões diversas e se depara com a incompatibilidade dos métodos de revelação da verdade aplicáveis aos procedimentos penais e cíveis, tão opostos em suas naturezas e objetivos.

Ofende-se a celeridade e o direito fundamental do acusado à duração razoável do processo, pois será necessária a realização de provas referentes à ação penal, ao mesmo tempo em que poderão ser produzidas provas relativas ao dano, sua caracterização e montante incluindo a oitiva de testemunhas e a produção de prova pericial, entre outras.

A unificação da produção das provas causa prejuízo ao réu, tanto devido à duração do processo quanto à própria qualidade da instrução probatória. Imagine a confusão gerada pela existência de três laudos periciais referentes a matérias e fatos diversos no processo, acrescidos dos documentos necessários e das manifestações e impugnações eventualmente decorrentes desses laudos. Esse prejuízo será evidentemente majorado caso o acusado se encontre em prisão cautelar durante a instrução probatória.

Ora, não parece justo que o réu permaneça por mais um dia sequer em prisão cautelar devido à complexidade gerada pela união da pretensão indenizatória da vítima com o processo que resolve a inocência do acusado. E cabe destacar que, caso o juiz entenda como necessária a designação de audiência ou a realização de prova pericial, o réu permanecerá por mais seis meses, no mínimo, na prisão.

Ademais, o prejuízo causado pelo julgamento referente à reparação do dano, pelo juízo criminal, atinge até mesmo a própria vítima, que terá seu pedido analisado em tempo dilatado, muito maior que o necessário caso tivesse ajuizado a demanda perante o juízo cível. Some-se a isto o fato de que a instrução probatória em ação civil será unicamente referente à sua pretensão, sendo desnecessário o acompanhamento de outros atos processuais.

Existe a possibilidade de que o juiz criminal se mantenha inerte, atitude adotada atualmente por aqueles que partilham do entendimento de que a indenização é incompatível e prejudicial à ação criminal. Todavia, essa postura pode ser prejudicada pela interposição de embargos de declaração, os quais forçam o magistrado a se manifestar expressamente sobre a matéria, com a devida fundamentação, de acordo com a previsão do art. 93, IX, da Constituição Federal. Com isso, surge a necessidade de que se julgue com base nas provas constantes dos autos o que pode tornar a decisão, por vezes, até mesmo inócua, tendo em vista que o juiz pode ter deixado de ordenar a produção de provas referentes aos danos em razão do entendimento de que cabe ao juízo cível a resolução da matéria ou que o magistrado determine a produção de novas provas, o que posterga a conclusão do processo.

Não é demais lembrar que os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório também podem sofrer indevida restrição caso o juiz aplique o art. 387, IV, do CPP, sem antes ouvir o acusado sobre a pretensão indenizatória. É de se dizer que, ao impor ao réu na sentença condenatória o pagamento de um montante a título de indenização sem que tenha sido ela requerida expressamente pelo autor da ação da penal ou pela vítima, o juiz incorreria no denominado julgamento extra petita, tornando a sentença nula. A privatização do processo penal, nas palavras de Aury Lopes Jr., não pode transformar o juiz em parte ativa no processo criminal, maculando sua necessária imparcialidade, ao impor a ele a obrigação de reconhecer de ofício interesse privado, de natureza econômica e, portanto, disponível (2).

O ideal é que a pretensão indenizatória seja julgada perante o juízo cível, onde o procedimento é adequado ao objetivo postulado e se possibilita a produção probatória referente ao direito da vítima de forma mais célere e eficaz, e sem prejudicar os direitos fundamentais do acusado, como, por exemplo, o direito à rápida solução da ação e o direito à ampla defesa e ao contraditório. Entretanto, para que os problemas decorrentes da disposição do art. 387, IV, do CPP, tenham fim, é imprescindível que se declare sua inconstitucionalidade por ofensa a princípios constitucionais garantidores do sistema acusatório, bem como em virtude da violação aos fins do processo criminal, que são a determinação da culpa do acusado e da imposição de uma sanção penal.
 
Notas:

(1)  LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume I. 4.ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 414-415.
(2)  Ibid.

José Carlos Portella Júnior é advogado Associado do escritório Zornig, Andrade & Associados. Pós-Graduado em Direito Internacional e professor do Unicuritiba. Viviane Lemes da Rosa é graduanda em Direito no Unicuritiba.

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