O exercício regular do direito de informação

A imprensa, através das suas diversas maneiras de atuação, que abrange desde o jornalismo de informação e de notícias até o jornalismo de entretenimento, exerce grande influência social e política na sociedade. Não se discute a importância da imprensa na atual sociedade. Sua atividade informativa, dotada de amplo interesse público, visa posicionar as pessoas no cenário fático, atualizar e proporcionar a conscientização da opinião pública, exprimindo e assegurando a realização de direitos fundamentais numa ordem constitucional, livre e democrática.

O reconhecimento desta capacidade, como não poderia ser diferente, projeta-se no mundo jurídico, seja no que diz respeito à defesa dos direitos das pessoas, que podem ser afetadas, seja no que interessa à garantia da liberdade e aos limites em que o seu poder esbarra.

A rapidez e a facilidade na obtenção e na circulação de informações, viabilizadas pela evolução tecnológica, são fatores que concorrem para o desenvolvimento e a integração das relações humanas, denotando a sua essencialidade. Contudo, trazem à tona uma problemática jamais presenciada com as dimensões atuais, que requer a proteção efetiva de bens jurídicos constantemente ameaçados, tais como a honra, a privacidade e a imagem.

Num mundo sempre em mutação e sujeito a constantes inovações técnicas, em que a informação constitui veículo impulsionador do desenvolvimento social e das relações humanas, e a globalização, cujo significado, mais ou menos indefinido, instalou-se como conceito, a importância de se proteger os atributos essenciais inerentes à personalidade do homem é um dado inestimável. Por outro lado, a proteção jurídica da liberdade de expressão e informação destina-se precipuamente a permitir uma adequada, autônoma e igualitária participação dos indivíduos na esfera pública, através da formação da opinião pública livre. Como não poderia ser diferente, diante de uma situação de pluralismo político, todos os cidadãos têm a possibilidade de formar suas idéias e de as exprimirem sem impedimentos.

O comportamento profissional do indivíduo voltado ao jornalismo informativo se projeta no seu direito de comunicar ou receber informações verdadeiras, por qualquer meio de difusão e, por outro lado, no seu direito de expressar e difundir livremente os pensamentos, idéias ou opiniões, narrando notícias que hajam acontecido nomeadamente na vida social e que, pelo próprio interesse, constituam interesse suficiente para serem conhecidos pelos destinatários da informação.

Mas, se o fato de podermos pensar nos faz humanos, a forma com que expressamos esse pensamento é o que diferencia os seres humanos entre si. Garantir o direito à liberdade de expressão é, portanto, quesito indispensável para a realização plena do homem e pedra fundamental da democracia. Acresce-se, entretanto, que se o pensamento é livre e irreprimível, a sua exteriorização não deve ser irrestrita, devendo compatibilizar-se com as demais liberdades e valores que a sociedade e o ordenamento jurídico recepcionaram. É inegável que o exercício da atividade jornalística não justifica, em quaisquer situações, intromissões nos direitos de personalidade alheios. A sua conduta deve pautar-se pela diligência e probidade profissional que compete a qualquer outro profissional, em respeito aos preceitos jurídicos e éticos que estabelece a ordem institucional.

O exercício regular do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento e as opiniões pelos meios de comunicação, conseqüentemente a sua atuação de forma lícita, está adstrito a determinados requisitos essenciais, os quais, se infringidos, determinarão a ilicitude do fato e conduzirão a um dever destes indenizar o lesado pelos danos sofridos, através do instituto da responsabilidade civil. Não podemos esquecer que, no campo prático, constituir a obrigação de indenizar através da problemática aferição dos limites e do âmbito normativo dos direitos, significa, em muitos casos, um esforço de ponderação do julgador, que deverá confrontar efetivamente os direitos contrapostos, sopesando todos os elementos fáctico-jurídicos, presentes no caso concreto, com o fim de justificar a preterição de um em relação a outro, sem comprometer desnecessariamente o conteúdo essencial de algum deles(1). Neste domínio, julgamos imprescindível ter em conta a difusão ou audiência do meio utilizado para propagar a ofensa, o prejuízo material e moral causado e a vantagem patrimonial auferida pela empresa de comunicação.

Assim, para além dos casos em que o titular do direito consente com a lesão, existem outras circunstâncias que traduzem a atuação lícita da imprensa, a saber: quando a notoriedade justifica um interesse geral pela sua vida; quando ocupa uma posição de destaque no cenário social ou político; quando o interesse público é motivado pela formação de uma opinião livre e plural, necessária para a concretização de uma sociedade democrática. Não fosse assim, comprometer-se-ia a toda evidência a atividade jornalista. Não é o que se pretende, tampouco o que se precisa para a proteção dos direitos pessoais ameaçados.

Como hipóteses de legitimação da atuação da imprensa nas situações em que esta invade a esfera íntima de uma pessoa, ofende a sua honra ou imagem, traduzidos pelo exercício regular de seu direito de informar, temos a relevância pública dos fatos verdadeiros noticiados, em que predomine um interesse didático, científico, cultural, ou de polícia, divulgadas necessariamente com adequação do meio e com pertinência das expressões utilizadas.

Dentre as causas de exclusão de ilicitude no âmbito civil, o exercício regular de um direito, referente à atividade do profissional jornalista, é a que deve reclamar um tratamento mais cuidadoso e ostensivo, já que detém um maior alcance prático-jurídico relativamente ao conflito que com freqüência se instaura entre os meios de comunicação e os direitos de personalidade.

Contudo, se o exercício de um direito subjetivo justifica determinadas violações aos direitos de outrem, não se pode perder de vista as limitações do exercício dos direitos pelos institutos do abuso do direito ou da colisão de direitos, as quais, como anota Menezes Leitão, restringem a operatividade desta causa. O agente não se exonerará de responder por danos que causou, se no exercício do seu direito, verificados os pressupostos da responsabilidade civil, não ficou adstrito precisamente aos limites que o seu exercício lhe permite, ou seja, respeitando os deveres de segurança no tráfego(2).

Estamos certos que, a verdadeira função dos media na atualidade, para além de informar e divulgar os fato noticiáveis, é a de ?difundir conhecimento, disseminar a cultura, iluminar as consciências, canalizar aspirações e os anseios populares, enfim, orientar a opinião pública no sentido do bem e da verdade?(3). Justamente para a concretização de tais fins, reconhece-se aos meios de comunicação social uma função de interesse público, na medida em que o exercício da sua atividade exprime ou assegura a realização de direitos fundamentais e de outros valores comunitários, tendo em vista nomeadamente a formação da opinião pública democrática, não apenas no estrito plano político, como no plano social e cultural(4).

A prossecução de interesses legítimos em sede de atividade jornalística se traduz fundamentalmente no seu exercício regular e lícito, sempre que o profissional relata ou toma posição sobre matérias em relação às quais subsiste um interesse sério pela informação por parte do público(5). O que não quer significar que se impõem limites à divulgação de escândalos e notícias sabidamente com grande impacto perante o público, respeitadas que estejam as balizas gerais consignadas ao exercício da liberdade de imprensa, o cumprimento da ética profissional, o respeito mínimo exigido a pessoa objeto da notícia, ao princípio da presunção de inocência, comprovando-se a fiabilidade de suas fontes informativas e não ultrapassando a fronteira que demarca a licitude da sua atuação.

É necessário, portanto, que o jornalista, primando pela licitude da sua atividade informativa, tenha claro para si os limites da ética profissional e das liberdades preconizadas na Constituição e na lei, emergentes outrossim do equilíbrio sobre o fio da navalha, tendo de um lado os direitos de personalidade e o respeito às pessoas objetos da notícia, e de outro o interesse público, a liberdade de expressão e informação, sob pena de sofrer responsabilização em âmbito civil e/ou criminal. Tais noções devem pautar o profissional a todo o momento, seja na hora de divulgar fatos referentes à intimidade da vida privada de uma pessoa, de ofender a sua honra ou imagem, seja no momento da intromissão propriamente dita.

Notas

(1)     Canotilho, Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6.ª ed.. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1266, sobre o problema dos limites, entende que ?é irresolúvel através de critérios prévios, livres de qualquer ponderação, só podendo construir-se como resultado de ponderação de princípios jurídico-constitucionalmente consagrados?.

(2)     Idem, ibidem. Nesse sentido, Jorge, Fernando Pessoa. Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil. Coimbra: Almedina Editora, 1995, pp. 207/209.

(3)     Nas palavras de Darcy Arruda Miranda apud Jabur, Gilberto Haddad. Liberdade de Pensamento e Direito à Vida Privada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 163.

(4)     Cf. Andrade, Vieira de. Os direitos fundamentais e a comunicação social. Apontamentos do Curso de Direito da Comunicação Social. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2004, pp. 3 e 4.

(5)     Cf. Andrade, Manuel da Costa. Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: uma perspectiva jurídico-criminal. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 327

Ana Marina Nicolodi é mestre pela Universidade de Coimbra-Portugal, professora de Direito Civil e Empresarial na Faculdade Unibrasil e advogada. marinanicolodi@hotmail.com

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