O ex-marido

No Nordeste, onde foi na quarta-feira para mais um capítulo da agenda positiva que pretende fazer sombra à negativa, que já vem de mais de mês por conta do Waldogate, o presidente Lula acusou a oposição de tentar desestabilizar o governo. Mostrou-se, assim, afinado com o que pensa e diz seu braço-direito, o ferido de morte José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil. Para ele, tem gente que está “namorando com o perigo” ao cobrar simples esclarecimentos. Lula prefere dizer que os que criticam o governo são como o ex-marido que não quer que a mulher seja feliz no outro casamento…

Ora, até aqui ninguém fez nada sério para complicar a vida do governo do ex-metalúrgico que ainda se gaba de ter chegado onde chegou. Pelo contrário, na contabilidade das oposições há mais ajuda que atrapalhos. Estes, por sua vez, desde o começo desse novo tempo anunciado como um marco zero para tudo, são provenientes da base aliada – gente do partido do próprio Lula ou de partidos aliados que participam do governo. O ex-marido, portanto, não é “ex”. É o próprio. E em briga de família, gente de fora não se mete.

Por exemplo: enquanto Lula atribuía à oposição a obra de desestabilização de seu governo, um senador do PMDB aliado batia às portas do Supremo Tribunal Federal – STF para provocar formalmente a mais alta corte do País a entrar na briga pela instalação da CPI dos bingos que, desde o início, Lula e todo o seu estafe tratou de abafar. O senador Pedro Simon entende, como a maioria dos brasileiros, que é abusiva a posição dos partidos da base aliada combinada com o Planalto de enterrar a CPI mediante o uso do artifício da não-indicação dos integrantes.

Waldomiro Diniz, por sua vez, não foi levado para o Planalto e colocado em gabinete vizinho por gente da oposição. Ele era amigo e confidente e estreito colaborador do principal ministro de Lula. Pego com a boca na botija, atirou suspeitas fundadas de envolvimento com o submundo da jogatina, arrecadação de fundos de campanha e propinas para todos os lados. A oposição – e todo o Brasil – assistiu de camarote, num carnaval de dúvidas e tibiezas, o ato do governo fechando bingos por medida provisória. Vingava-se, assim, como na outra história do marido, do sofá da sala.

Sem precisar ir mais longe, peguemos trechos da fala do próprio José Dirceu aos prefeitos do PT na terça-feira, quando outra vez arrancou cabelos e chorou sobre o leite derramado. Dirceu disse que dentro de trinta dias terá informações bombásticas à nação, que haverão de colocar pingos em todos os “is”. Desde então, está todo mundo se perguntando o que ele sabe que poderia esclarecer e não esclarece, e por qual motivo não pode falar agora, evitando desgaste maior, para não dizer alongando essa crise que – ela sim – pode conduzir à ingovernabilidade? Os estragos desse suspense provocado por um Dirceu que jura inocência pela enésima vez só pode ser equiparado à destemperada nota do PT que, ao defender o ministro, partiu para o ataque… ao ministro Antônio Palocci, da Fazenda, e ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

É a base aliada que enfraquece o governo com seus interesses, casuísmos, conflitos e desentendimentos. Como disse o senador Tasso Jereissati, foram os aliados que transformaram a crise política em crise econômica. As dificuldades do País – enfatizou – não são geradas pela política do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, mas sim pelas relações promíscuas de escalões inferiores do governo e do PT com grupos absolutamente descomprometidos com o interesse público. Alguns com raízes até no crime organizado. Defesa melhor não podia ter o ministro que comanda um dos únicos setores que até aqui deu relativamente certo no governo de Lula. A ela se junta o que afirma o presidente do PSDB, José Serra, o derrotado: “O que nós queremos é a governabilidade”. Quem está brincando com o perigo são os que não querem investigação, os que fazem suspense nas explicações de suas hipotéticas ligações com os bingos, com a máfia dos jogos, etc., etc., etc.

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