O comum acordo no dissídio coletivo de trabalho

Quando da discussão no Congresso Nacional do projeto de emenda constitucional da reforma do Judiciário, alertamos para a tentativa de alterar-se o artigo 114, parágrafo 2.º, da CF/88, com o objetivo de condicionar à vontade patronal o poder normativo da Justiça do Trabalho (vide ?Poder Normativo Dependeria da Vontade Patronal?, edição do caderno Direito e Justiça, 16.05.2004). Naquele texto afirmamos: ?Como se verifica, persiste a expressão ?de comum acordo?, significando que o poder normativo fica a critério da vontade patronal. Se a entidade sindical representativa do setor empresarial ou a empresa, no caso de insucesso de acordo coletivo, negar-se a que o dissídio coletivo de trabalho possa ser ajuizado, poderá o Tribunal não conhecer do pedido. Ainda é tempo de, por emenda de plenário, ser eliminada esta expressão, possibilitando o amplo exercício do direito das entidades sindicais profissionais de submeterem suas reivindicações econômicas e jurídicas à decisão judicial, como sucede atualmente?.

Consumado o atentado contra as entidades sindicais dos trabalhadores com a promulgação da emenda constitucional prevendo a necessidade do comum acordo para o conhecimento e julgamento do dissídio coletivo de trabalho, as primeiras decisões do TST e dos Tribunais do Trabalho começam a definir o posicionamento sobre a matéria, enquanto o Supremo Tribunal Federal não julga a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.392, ajuizada por Confederações Nacionais de Trabalhadores, tendo como relator o ministro Cezar Peluso, para o qual estão os autos conclusos desde 23 de maio de 2005, com parecer pela improcedência, no ver da Procuradoria Geral da República.

Algumas orientações já emanaram das primeiras decisões do TST (1) o ajuizamento do dissídio coletivo de trabalho não depende da concordância da entidade sindical patronal ou empresa (2) as partes serão convocadas para a tentativa de conciliação na audiência inaugural (3) a alegação de comum acordo deve ser explícita (4) a matéria deve ser apreciada pela Seção Especializada do Tribunal (5) os dissídios coletivos decorrentes do exercício do direito de greve serão conhecidos e julgados sem necessidade do comum acordo. Nesse mesmo rumo têm orientado os Tribunais Regionais.

Decisão do TRT.PR

O Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região em recente decisão adotou a linha de, após realizada a instrução do processo e colhido o parecer do Ministério Público do Trabalho, em submeter o processo a julgamento na Seção Especializada e em não conhecer do pedido revisional em dissídio coletivo de trabalho face a inexistência de comum acordo entre as partes, pendente ainda a matéria de decisão de embargos declaratórios. Em sua decisão, o Tribunal assinalou: ? por maioria de votos, vencidas as excelentíssimas juízas Ana Carolina Zaina e Marlene T. Fuverki Suguimatsu que encaminhariam os autos ao Órgão Especial para análise da questão da inconstitucionalidade, acolher a preliminar de inocorrência do comum acordo necessário ao ajuizamento do dissídio coletivo, condição indispensável da ação coletiva, nos termos do art. 114, § 2.º da CF-88 (EC 45-2004) – para, nos termos da fundamentação, extinguir o processo sem julgamento do mérito, rejeitando, ainda, as demais preliminares argüidas pelos suscitados. Custas pelo suscitantes, no valor de R$ 20,00, calculadas sobre o valor atribuído à causa de R$ 1.000,00 (art. 789, § 4.º da CLT) – dispensadas. EMENTA: REVISÃO DE DISSÍDIO COLETIVO. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45-2004. REVISÃO DE CLÁUSULAS ECONÔMICAS NO PERÍODO JÁ SOB O NOVO MANTO CONSTITUCIONAL. EXIGÊNCIA DE COMUM ACORDO PARA A ADOÇÃO DE SOLUÇÃO POR PARTE DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OFENSA À CLÁUSULA PÉTREA. RECUSA EXPRESSA PELA PARTE ENVOLVIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO POR AUSÊNCIA DE UMA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO COLETIVA. A norma do art. 114, § 2.º da CF-88, com a redação atribuída pela Emenda Constitucional n.º 45-2004, promoveu alteração substancial no exercício do poder normativo pela Justiça do Trabalho, com o intuito de privilegiar e estimular a autocomposição pelas partes, ao exigir o comum acordo, ainda que tácito, para a submissão do dissídio a esta Justiça Especializada. A alteração do poder normativo não importou em ofensa à cláusula pétrea acerca da inafastabilidade da jurisdição (art. 5.º, inciso XXXV da CF-88) – pois a atuação da Justiça do Trabalho nesta seara, não tem natureza substantiva de ato jurisdicional, apesar de formalmente expressa através de sentença normativa, mas sim legislativa ?strictu sensu?, mediante a criação de regras aplicáveis à determinada coletividade no campo sócio econômico. (Publicado no DJPR em 20-01-2006 – TRT-PR-32001-2005-909-09-00-8 – ACO-01251-2006 Seção Especializada TRT 9.ª – Relatora: Juíza Rosalie Michaele Bacila Batista)?.

Decisão do TRT-RS

O Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul adotou decisão oposta, pela desnecessidade do comum acordo para conhecer e julgar dissídio coletivo de trabalho. Decisão recente balisa este entendimento: ?EMENTA: REVISÃO DE DISSÍDIO COLETIVO. PRELIMINARMENTE. AJUIZAMENTO DE AÇÃO COLETIVA. NECESSIDADE DE ?COMUM ACORDO?. O artigo 114, § 2.º, da Constituição da República, com a redação introduzida pela Emenda Constitucional n.º 45, de 08.12.2004, estabelece que: ?…. § 2º – Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente? (grifei). A exegese que se faz dotexto constitucional é no sentido de que o poder constituinte derivado consagrou mera faculdade ao tratar do consenso das partes na proposição da ação coletiva de natureza econômica, na medida em que a frustração da negociação prévia permanece como pressuposto do ajuizamento do dissídio coletivo, não havendo, por isso, que se falar em inconstitucionalidade da expressão ?de comum acordo?. Na hipótese em que é buscada a conciliação entre as partes (negociação prévia), mas esta não é alcançada, é possível o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica por quaisquer das entidades sindicais, sob pena de se eliminar o direito constitucional de ação previsto como norma pétrea no inciso XXXV do art. 5.º da Constituição Federal. Preliminar de extinção do feito, sem julgamento do mérito, que se rejeita (TRT 4.ª Região Proc. 00398.2005.000.04.00.5 -Relatora Juíza Denise Pacheco, Publicado em 20.10.2005)?.

Na fundamentação, a juíza relatora salienta: ?A par dos consistentes argumentos que defendem a aplicação irrestrita da novel redação do artigo 114, § 2.º, da Constituição Federal a partir de uma exegese literal a todos os dissídios coletivos de natureza econômica, impressiona a orientação daqueles que sustentam tese em contrário, como é o caso do Prof. Vitor Manoel Castan que, de forma simples e didática, comenta artigo publicado no Jornal O Estado do Paraná, Caderno Direito e Justiça, de 28.11.04, p. 5, de autoria de Edésio Passos, dizendo que o legislador, no afã de ver o conflito solucionado amigavelmente, praticamente não permite que o conflito seja apreciado pela Justiça do Trabalho, quando impõe uma ?… condição consensual para o ajuizamento do dissídio coletivo…?, ou seja, determina que havendo a recusa na negociação, o dissídio coletivo só poderá ser ajuizado de ?comum acordo?. E segue o articulista: ?….Ora, se as partes não chegaram a um acordo na negociação coletiva dificilmente?, de comum acordo?, irão juntas ajuizar o dissídio, ou seja, assinar a petição inicial. Não havendo consenso, não pode esta situação ficar indefinidamente sem solução, ademais, não se pode esquecer do artigo 5.º, XXXV, da CF o qual dispõe: ?a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito?, portanto, a condição consensual imposta pelo legislador necessita de uma análise mais profunda sob o prisma constitucional? (in LTr Suplemento Trabalhista 061/05 – Reforma do Poder Judiciário – Aspectos no Direito do Trabalho)?.

Perspectivas

O número de dissídios coletivos de trabalho é significativamente reduzido no TST e nos Tribunais Regionais, decorrente do avanço das negociações coletivas de trabalho que culminam em acordos e convenções coletivas de trabalho, face a estabilidade nas relações de trabalho e na economia nacional. Por isso, a questão do comum acordo nos dissídios coletivos de trabalho terá lenta maturação até consolidar-se a orientação jurisprudencial, balisada pela decisão da ADI pelo Supremo Tribunal Federal. Outra fórmula que as entidades sindicais de trabalhadores poderão buscar para resolver o conflito coletivo será a deflagração da paralisação coletiva do trabalho, possibilitando a rápida tramitação e julgamento do dissídio coletivo em decorrência da greve. Entretanto, somente em condições de excepcionalidade nas relações capital-trabalho diante de questões de maior relevância poderá ocorrer medida dessa natureza. De qualquer modo, a alteração constitucional constitui-se em retrocesso constitucional com a quase-anulação do poder normativo da Justiça do Trabalho, instituto que durante períodos de crise econômica e política revelou-se instrumento democrático eficaz.

Assinalamos em nosso artigo ?STF decide inconstitucionalidade de nova norma de dissídios coletivos? (Direito e Justiça, 30.01.2005) que: ?A presença do Judiciário do Trabalho tem que ser recolocada dentro da importância histórica que por muitos anos a caracterizou, reavivando mecanismos modernos, eficazes e imediatos, de conciliação e julgamento na esfera coletiva. Então, a Justiça do Trabalho poderia retomar sua caminhada em ocupar o espaço que lhe é destinado constitucionalmente nas relações coletivas de trabalho e em nossa Democracia. Neste sentido, é fundamental o restabelecimento da redação original do texto da CF/88, com o atendimento do pedido da CNPL, efetivamente de relevância social e jurídica?.

E.mail: edesiopassos@terra.com.br

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