O cidadão cossaco

O meu colega de ginásio, para quem lembra do primário, ginásio e científico, o Bira, era um companheiro legal, mas sempre foi um tanto distraído, o rei da gafe, vivia ?dando fora?, como se dizia na época.

Não era mau aluno, mas quando fazia leitura nem sempre as coisas corriam bem.

Leitura em sala de aula, que bom hábito e que muito bem fazia ao aprendizado da nossa língua e que ampliava nosso conhecimento. Tenho certeza que a leitura foi muito útil também para o Bira, apesar de ter lido ?cossaco? onde era ?acossado? e ?between? onde era ?Beethoven?. Isso, provavelmente, porque a aula de português foi logo depois da aula de história, onde aprendeu que cossaco era um povo de cavaleiros do sul da Rússia, e de inglês, onde aprendeu que ?between? significa ?entre?, mas não do verbo entrar.

Mas eu vinha lembrando do Bira, outro dia, enquanto circulava pelas ruas da nossa cidade, e acabei misturando as coisas do dia-a-dia deste brasileiro comum que trabalha, tem telefone, conta bancária, carro e tudo o mais.

Pois esse cidadão brasileiro anda acuado por todos os lados.

A empresa de telefonia cobrou-me uns planos que não pedi. Liguei no seu 0800 e daí começou o famoso: para isso, disque 2, para aquilo disque 3. Quando chegou para conta telefônica, disquei e a gravação voltou com diversas opções e nenhuma que eu queria…

Recebi os impostos que animam nossos janeiros: IPTU, IPVA, sindical e por aí vai. É difícil imaginar que se pague o IPVA no início do ano e depois fique esperando meses para pagar outro tributo ou taxa, sei lá (?sei lá? é sinal de impaciência!), de licenciamento. Não vou entender nunca a lógica do por que não vem tudo junto, a gente aperta um pouco mais paga e recebe um documento e pronto…

Daí ligam de um banco dizendo que fui escolhido para receber o mais novo e maravilhoso cartão de crédito. Chega o correio. No lugar de cartas – ah! As cartas! Que agora são e-mails sem a caligrafia que identificava o remetente e que abrimos sem aquela emoção, contas, malas diretas e… um sensacional cartão de crédito pois fui, também por esse banco, escolhido como cliente preferencial sendo que nunca tive uma conta nele.

O remédio para pressão subiu outra vez. Sobe mais que a minha pressão. E, além disso, o doutor me disse que esse meu colesterol ainda está alto. E eu que fiquei todo orgulhoso porque, depois de passar um tempo comendo bacias de alface, leite desnatado e todas as outras coisas que tem zero de colesterol, consegui baixar alguns pontos e o doutor não ficou feliz! E o que é pior: ele me disse que ele precisa de mim vivo, pois eu que ajudo a compor os seus rendimentos! Agora percebi porque ele cuida de mim.

Estou parando no sinal e havia esquecido meus óculos escuros sobre o banco. Falso como meu relógio, mas de grife. Estou sujeito a um assalto! Da mesma forma que quando entro em casa, olho para todos os lados, todos os cantos e árvores, pois posso ser assaltado e levar uma companhia para dentro de minha casa que Deus sabe o que fará.

Estou me sentido acossado e pensando em tudo isso dentro do carro, não podia dar em outra coisa: passei um pouco dos 60km/h e o radar eletrônico me pegou, com certeza. Para os próximos dias terei muita emoção toda a vez que chegar a correspondência. O radar me pegou ou não? Vem a multa ou não? Vem, quem sabe uma carta. Poderá até ser do Bira, que, lendo meu pensamento, me enviou uma carta!

Realmente o Bira não estava tão errado assim: o cidadão brasileiro está acossado; o cidadão brasileiro está cossaco…

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