O apoio do papa

O presidente norte-americano George W. Bush não quis. Mas o papa João Paulo II, vestido de branco, aderiu. A campanha do presidente Lula pela mitigação da fome mundial ganha novo impulso com o apoio papal. Bom para Lula no plano mundial e, no plano local, bom para os discursos de palanque neste segundo turno eleitoral. O apoio do Vaticano, assim explícito, também poderá ser capaz de aplainar alguns terrenos na área do embate entre as nações ricas e aquelas que contribuíram para a riqueza das primeiras.

A simpatia papal pela tese da criação de um fundo (mais um) mundial para o combate à fome em todo o planeta foi externada pelo líder da Igreja Católica durante a apresentação das credenciais da nova embaixadora do Brasil perante o Estado do Vaticano, Vera Machado. Na oportunidade, o papa teria externado – sempre segundo a embaixadora – simpatia pelas afinidades de pensamento entre a Igreja e o governo Lula. Tais convergências estariam consagradas no perdão da dívida de países pobres da África e nos anseios pela paz, com a condenação explícita à guerra no Iraque.

Para o papa, a iniciativa do governo brasileiro em favor dos que passam fome seria, segundo a embaixadora, um “sinal de viva esperança para todas as populações afetadas pelo flagelo da fome”. E o compromisso de atender às necessidades dos menos favorecidos “deve ser considerado uma prioridade”. Nas próximas reuniões da ONU sobre a questão da fome haverá uma cadeira a mais, reservada ao representante do Vaticano que, segundo se anuncia, de agora em diante estará mais engajado no esforço pelo cumprimento das Metas do Milênio no campo social. Uma dessas metas é reduzir a fome pela metade até o ano de 2015.

O papa viu também uma “demonstração concreta de solidariedade para populações que vivem à margem do desenvolvimento mundial” no gesto brasileiro de perdão da dívida de alguns países pobres da África. Segundo a embaixadora, “tal iniciativa demonstra que todas as nações implicadas nessa empresa devem ser conscientes de que somente uma ação corajosa e disposta ao sacrifício pelo bem comum de todos permitirá contribuir para a redenção daqueles países mais pobres”.

São palavras bonitas, sem dúvida, e que devem contribuir para um maior conforto dos integrantes do governo brasileiro, principalmente daqueles situados no primeiro escalão. Lula e sua equipe certamente haverão de tirar o máximo proveito delas – espera-se não apenas no âmbito da refrega eleitoral que ainda se prolonga pelo segundo turno na maior parte das principais cidades brasileiras.

O que não seria bom que acontecesse é esse discurso contra a fome assumir duas faces – uma para efeito externo e, outra, aqui dentro, para efeito de consumo próprio.

Lá fora, Lula já colhe os primeiros resultados dessa sua investida, iniciada no calor do lançamento de seu mais importante projeto social, o Fome Zero. Países importantes aderem à sua proposta de criar uma espécie de CPMF para alimentar o fundo de combate à fome, calcado na taxação dos negócios das armas de guerra e do dinheiro que circula nos chamados paraísos fiscais. Embora ninguém tenha dito até aqui como, exatamente, isso poderia ser feito, a idéia produziu logo o apoio de governos situados mais à esquerda do espectro ideológico mundial. Os da direita, torcem o nariz.

Aqui dentro, entretanto, a idéia do Fome Zero e programas correlatos está extremamente desgastada. Primeiro pelas falhas apresentadas desde o início, algumas delas descambando até para a sugestão do proveito eleitoreiro de uma ação que deveria ser unicamente humanitária. Não foi por outra que a Justiça determinou o temporário cadastramento de famintos às vésperas das eleições.

O apoio do papa, entretanto, dá um novo sentido – e muito mais substância – a uma demonstração de vontade que deveria estar no centro das atenções dos que, de fato, se preocupam com um dos maiores problemas que desafiam a humanidade – a miséria e a fome. Tanto a externa, quanto a nossa, interna, que continua descomunal.

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