O 54º aniversário do Diretório Acadêmico ?Clotário Portugal?

Num momento em que a democracia se tornara a grande meta pós-guerra, pouco mais de um ano da posse de Getúlio Vargas na Presidência da República (eleito em 3 de outubro de 1950 com 3.343.384 votos), politizados e engravatados acadêmicos da primeira turma da Faculdade de Direito de Curitiba, ao início do período letivo, fundaram, em 22 de março de 1952, o Diretório Acadêmico ?Clotário Portugal?, órgão de representação estudantil da nova instituição de ensino jurídico.

A política, o cinema e a literatura habitavam o cotidiano daqueles jovens, numa época em que a novela ?Direito de Nascer? era o único sucesso radiofônico do gênero transmitido pela Rádio Nacional e a televisão se instalara há quase um ano pela TV Tupi do Rio de Janeiro (no Paraná, somente na década de 60).

Os passeios curitibanos se restringiam à Av. Luiz Xavier e à Rua XV de Novembro, onde se situava a ?Cinelândia?, com não raras disputas por lugares nos cinemas da moda ali existentes, como o Avenida, o Ópera e o Palácio, além das concentrações em grupos de conversa em torno dos cafés na Boca, que ainda não era Maldita, em que o mate batido, com ou sem limão, era costume que refletia nossa projeção econômica, principalmente no Café Avenida. Na famosa banca de revistas do ?Sr. Guimarães?, na Travessa Oliveira Belo, 16, no térreo do Palácio Avenida (hoje HSBC), a Revista ?Manchete? era a maior novidade, recém lançada no Rio por Adolpho Bloch.

O Governo do Estado era exercido por um homem de visão, político culto e equilibrado, o engenheiro Bento Munhoz da Rocha Netto, um humanista de primeira linha, que idealizou e construiu a Biblioteca Pública, o Teatro Guaíra e o Centro Cívico. Bento era o paradigma de nossa cultura política, e seu estilo e seu preparo influenciavam os jovens políticos, que se espelhavam também em Accioly Filho, Othon Mader, Laertes Munhoz e outros políticos do mesmo naipe.

Em suma, era esse o momento histórico em que se criava o DACP, hoje o segundo mais antigo centro acadêmico de Direito do Paraná (o CAHS, da Universidade Federal, é o primeiro). A presidência provisória da entidade foi exercida de 22.03.52 a 07.06.52 pelo acadêmico Valdemar Colvero, que deu posse a Mbá De Ferrante como o primeiro presidente eleito no nosso DACP.

Não há compêndio de história da política estudantil e acadêmica que não ressalte a importância da atuação dos jovens nesse campo, reputando-a a melhor escola de homens públicos na prática, em que se aprende a articular e a raciocinar politicamente, bem como enxergar o bem-comum em sua verdadeira perspectiva. Pratica-se a política pura, sem vícios; adquire-se jogo de cintura indispensável a qualquer atividade pública a ser exercida no Legislativo, no Executivo e no Judiciário.

É a política estudantil que, como no Brasil e na França, para se citarem exemplos recentes, alavanca movimentos sociais com ideal de justiça, cujos resultados nem sempre são positivos, a ponto de os governantes, principalmente nas ditaduras, considerarem os ainda pouco maduros estudantes dentre os mais perigosos e ingênuos às ?infiltrações?, fantasma que muito retrocesso gerou em nosso País. E em nome desse medo ditatorial, tentou-se abafar a política estudantil no período da ditadura militar iniciada em 1964, com recrudescimento em 1968, com a edição do Ato Institucional n.º 05, além dos inibidores Decretos-lei 228 e 477, limitadores da atuação estudantil, com estabelecimentos de normas que impediam a participação de todos os jovens em seus grêmios estudantis e em seus diretórios (centros) acadêmicos, como notas altas e ?fichas limpas?.

Com meus 21 anos, fui eleito presidente do Diretório Acadêmico ?Clotário Portugal?, administrando-o na gestão de 1978. Era o último ano do AI-5, numa transição iniciada pelo ditador Ernesto Geisel e concluída pelo ditador João Figueiredo. Mas ainda havia tensão no ar, a ponto de familiares me aconselharem a não praticar política estudantil. Não lhes dei ouvido, e a sorte e a fé acompanharam nosso grupo.

Realizamos muito, com moderação, mas sem a mínima concessão às imposições ditatoriais. Toda a equipe (na vice-presidência: Maurício Ferrante) se uniu para não morder a isca dos governantes: queriam eles, inclusive com a Reforma do Ensino (Passarinho), que os diretórios acadêmicos se transformassem em ginásios de pingue-pongue e em salas de televisão. Alienação total!

Mantivemos o espírito de debate político e o de incrementação de uma atividade cultural mais presente em nossa Faculdade, cientes de que não poderíamos fazer o jogo do poder dominante, muito menos enfrentá-lo com radicalismo. Artistas e políticos participaram de rodas culturais na sede do Diretório, como Antônio Carlos Kraide, Trajano Bastos e Heitor Alencar Furtado. Participamos, com comissão designada, do histórico Encontro Nacional de Advogados realizado em Curitiba, primeiro pontapé para a democracia brasileira que se reconquistou quase sete anos depois. Por essa simples participação, ?alertou-me? um ?agente de informação?, ex-aluno da FDC, sobre a impossibilidade de eu ter futuro na vida pública, pois minha ficha conteria esse dado.

Da minha geração, Mauro Moraes, um dos incentivadores de minha candidatura à Presidência do DACP, Marcos Isfer, Jônatas Pikiel (estes nem sempre do mesmo partido, mas cordiais competidores e bons amigos) e Maurício Ferrante, todos políticos de linha séria.

Mas a matéria jornalística não é sede para relato histórico de uma gestão, mas apenas ao lembrete histórico e saudosista de que o nosso Diretório Acadêmico ?Clotário Portugal? teve muita participação na vida de todos os que estudaram e estudam na Faculdade de Direito de Curitiba, bem assim na vida pública de nosso Estado.

Seu aniversário deve ser sempre festejado, como homenagem à tradição da instituição, que tem como patrono um homem que deixou sua marca na história judiciária e política do Estado: Clotário Portugal, que se iniciou na vida pública como Promotor Público e exerceu diversos cargos como Procurador-Geral da Justiça do Estado, Desembargador e Corregedor-Geral da Justiça, Chefe de Polícia, Secretário dos Negócios da Fazenda, Interior, Justiça e Instrução Pública, até ser nomeado, em 1945, Interventor Federal do Estado (ao falecer, em fevereiro de 1947, presidia o Tribunal de Justiça do Paraná).

Duas das salas do DACP foram nominadas em 1979 e em 1980, para homenagear figuras que, na vida estudantil e na vida docente, marcaram época na Faculdade de Direito de Curitiba. A Secretaria passou a chamar-se ?Sala Francisco de Assis do Rego Monteiro Rocha? (1980), o inolvidável orador de nosso tempo, morto na juventude por doença incurável, e a sala principal denominou-se ?Professor Accioly Filho?(1979), falecido em sessão do Instituto dos Advogados do Paraná em 13 de novembro daquele ano, o paraninfo da primeira turma da Faculdade.

Hoje, 2006, me decepciono ao visitar a sede do nosso Diretório Acadêmico ?Clotário Portugal?, apelidado de ?Sala das Vassouras?. Uma saleta de cinco metros quadrados aproximadamente, perdida no prédio da monumental Faculdades Integradas Curitiba na Rua Chile. A obra deixou de integrar o nosso DACP no meio acadêmico, no mínimo com uma réplica da sede anterior (da Emiliano Perneta), plenamente possível para a reconhecida competência do arquiteto Carlos Saborido (relembre-se que o Bar Palácio foi replicado na André de Barros por um arquiteto).

Há dois anos, a FDC funciona no ?campus? da Rua Chile. E, desde então, o nosso DACP está desprezado como se história não tivesse. Desrespeito aos alunos da instituição e às famílias de Clotário Portugal, de Accioly Filho, de Francisco de Assis do Rego Monteiro Rocha, de Mbá de Ferrante e a tantos outros nomes que compunham a galeria de ex-presidentes, cujas fotos já não se sabe onde se encontram.

?A História julga?, sempre nos foi dito. Mas nunca imaginei a hipótese de, anos mais tarde, logo eu, que com os então 1.100 alunos da Faculdade, divulgava e me orgulhava da ?terceira melhor faculdade do Brasil?, adquiriria postura crítica e sentimento de mágoa com os que desdenham a trajetória de muitas vidas estudantis e de muitas atividades que engrandeceram a Faculdade, projetando-a.

Um presente que o Diretório Acadêmico mereceria neste seu 54.º aniversário: uma sede integrada, nos moldes da anterior, com inauguração de pompa, com a presença de familiares de Clotário Portugal, de Accioly Filho e de Francisco de Assis do Rego Monteiro Rocha de outras pessoas ligadas à instituição. Mas uma sede digna, no seio da instituição, e não em prédio alheio ao ?campus?, o que demonstraria maior desdém à entidade, refletindo invulgar insensibilidade histórica.

Meus parabéns e meus sentimentos, DACP!

José Maurício Pinto de Almeida é ex-presidente do DACP (gestão 1978). Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná.

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