Nosso sistema judicial virou loteria?

O Judiciário não é a lei. Não faz a lei. Apenas a aplica.

Mas às vezes algumas pessoas, letradas ou não, confundem um pouco as coisas. Não se sabe com que objetivo, misturam conceitos e institutos, e propagam mazelas e vicissitudes a outros, procurando apontar um único culpado. Talvez seja mais fácil só apontar o dedo!

Se o nosso sistema legal e processual mostra-se falho, todos devemos fazer o possível e o esperado para modificá-lo e atualizá-lo. Nesse rumo veio a reforma constitucional do Judiciário, e também nessa linha virão outras reformas para agilizar o processo judicial brasileiro.

Entretanto, na semana passada, no caderno Direito e Justiça do jornal O Estado do Paraná, li um comentário crítico apresentado pelo advogado Robson Zanetti ao nosso sistema judiciário, pelo qual ele comparava a Justiça brasileira a uma loteria, onde alguns ganham e outros perdem, conforme a sorte. Será que nossa realidade é mesmo assim tão triste?

Ora, não posso concordar com esse comentário, por ser totalmente equivocado e baseado em premissas falsas da causa dos problemas levantados pela ?crítica construtiva? do ilustre advogado.

Temos bons juízes no Paraná. O nosso Tribunal de Justiça tem mantido 70% das decisões emitidas em primeira instância. Isso é fato! Os dados foram amplamente publicados pela imprensa.

Agora, se o sistema processual permite manobras protelatórias por parte de devedores e seus advogados, fazendo empurrar a dívida por longos anos em detrimento do direito do credor, a culpa é de quem? Do juiz, que tenta a todo custo levar a execução a bom termo, com vistas a leiloar os bens do devedor relapso com suas obrigações civis? Dos advogados dos devedores, que usam dos recursos e meios processuais para fazer demorar a execução? Ou da lei, que, não deixando filtrar os recursos meramente protelatórios, permite que o Judiciário seja usado para tais fins imorais ou até ilícitos?

Será que ao ganhar tempo para o cliente devedor, o advogado não ganha honorários para isso? A culpa é do juiz?

Por outro lado, da confusão referente às demais situações mencionadas pelo advogado Zanetti, impõe que seja esclarecido o seguinte: O juiz não só lê cada processo a seu cargo, como o estuda profundamente para somente depois emitir suas decisões. Tal é ínsito da função judicante. Se alguns magistrados contam com auxílio de assessores (como assim também o fazem muitos advogados, procuradores, delegados etc), tal ocorre por uma questão organizacional diante do grande número de processos que chegam diariamente às suas mesas. Mas, é evidente que o juiz irá conferir o trabalho de sua assessoria antes de chancelar qualquer despacho, por mais simples que seja. Essa idéia de que ninguém lê o que assina é absurda e delirante, convenhamos.

No que pertine ao chamado dano moral e sua reparação, cabe esclarecer que a lei ainda não trouxe parâmetros objetivos para o juiz fixar a indenização. Talvez daí o assunto exija tanto debate e pronunciamentos variados dos tribunais. Até porque cada caso é um caso. O que faz justiça para João, pode não fazer para Pedro!

E a respeito da citada multa diária, prevista no Código de Processo Civil, ela às vezes assume valores muito elevados porque o devedor não é alertado pelo seu advogado de que aquela multa é ?coisa séria?. Vai ser cobrada um dia, de forma que quanto mais demorar o processo, mais alto será o valor final da multa. Aqui, ao contrário do sustentado na crítica construtiva, a demora do Judiciário não está do lado dos inadimplentes. Que bom, não é mesmo?

De resto, se algum advogado se propõe a contar boas mentiras ao juiz, isso é bem grave. Tal insinuação, mais uma vez descuidada e generalizante, envolve acusação contra a advocacia em geral, e pressupõe falsamente que alguém possa ganhar uma causa não tendo direito nenhum. A meu ver a hipótese é inusitada, mas, de qualquer modo, o tribunal poderá rever o caso e consertar a interpretação daquela ?mentira? que teve o efeito de induzir o juiz em erro.

Por fim, quero registrar que os juízes não têm medo de críticas. Desde que não reflitam recalques e sejam mesmo construtivas. Mas, melhor do que críticas, são ações concretas de todos os envolvidos com a promoção da Justiça para melhorar nossos sistemas legal e judiciário!

Rogério Ribas é juiz de Direito em Curitiba e diretor de Comunicação Social da Amapar Associação dos Magistrados do Paraná. E-mail: ror@tj.pr.gov.br

Voltar ao topo