Norberto Bobbio: Democracia e direitos humanos

A democracia, os direitos humanos, a paz e a guerra foram os quatro temas sobre os quais Norberto Bobbio mais se dedicou. Mas o objetivo deste artigo é mostrar, embora de modo sucinto, como o pensador italiano tratou a democracia e os direitos humanos.

A morte de Norberto Bobbio não significou sua morte, pois continua vivo entre nós o autor de mais de 50 livros, entre os quais “Teoria Geral da Política”, “Dicionário de Política”, “Teoria das Formas de Governo”, “O Futuro da Democracia”, “Igualdade e Liberdade”, “Estado, Governo e Sociedade”, “Os Intelectuais e o Poder”, “Liberalismo e Democracia”, “Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant”, “Thomas Hoobes”, “Entre Duas Repúblicas”, “Direita e Esquerda”, “O Problema da Guerra e da Paz”, “O Positivismo Jurídico”, “El problema del Positivismo Jurídico”, “Teoria da Norma Jurídica”, “Teoria do Ordenamento Jurídico” e “A Era dos Direitos”. O melhor, portanto, é deixá-lo falar.

Bobbio expressou tanta fé na democracia possibilitada pelo Século XX que chegou a classificá-lo como a “era das democracias”. Os regimes democráticos existentes sobreviveram nesse século, e “novas democracias apareceram ou reapareceram ali onde jamais haviam existido ou haviam sido eliminadas por ditaduras políticas ou militares”. Nesse sentido, o futuro da democracia estaria diretamente relacionado ao número de Estados democráticos e à continuidade do processo de democratização na ordem internacional. Para se alcançar uma paz estável, é, pois, necessária “uma ordem democrática de Estados democráticos” (1).

Para Bobbio, a democracia está fundada em dois valores notáveis da vida humana: a liberdade e a igualdade. É um tipo de sociedade de livres e iguais, mas regulada de tal modo que os indivíduos que nela vivem são mais livres e iguais do que em qualquer outra forma de convivência. Em uma democracia, o sufrágio universal é imprescindível, pois se constitui uma aplicação do princípio da igualdade e ao mesmo tempo do princípio da liberdade. “Os cidadãos de um Estado democrático se tornam, através do sufrágio universal, mais livres e mais iguais. Onde o direito de voto é restrito, os excluídos são ao mesmo tempo menos iguais e menos livres” (2).

Examinando o contraste existente entre democracia ideal e a democracia real, o prometido e o efetivamente realizado, Norberto Bobbio fala na necessidade de “fazer descer a democracia do céu dos princípios para a terra onde se chocam interesses consistentes” (3).

Por outro lado, é também marcante a contribuição de Bobbio ao estudo dos direitos humanos. Isso pode ser notado em diversas obras, sobressaindo-se a sugestiva “A Era dos Direitos”.

Bobbio reconhece que, “desde a sua primeira aparição no pensamento político dos séculos XXVII e XVIII, a doutrina dos direitos do homem avançou muito, embora entre conflitos, confutações, limitações. Mesmo que a meta final, uma sociedade de livres e iguais, não se tenha cumprido, foram percorridas várias etapas, em relação às quais já não será possível retroceder tão facilmente […] Só Deus sabe quantas tempestades conheceu o nosso século, mas, apesar de tudo, a estrela polar ao final reapareceu no nosso horizonte”(4).

Seu discurso sobre os direitos humanos está ligado à realidade da vida cotidiana, que, em verdade, é o grande desafio da humanidade nestes tempos de incertezas. “Não se pode pôr o problema dos direitos do homem abstraindo-o dos grandes problemas de nosso tempo, que são os problemas da guerra e da miséria, do absurdo contraste entre o excesso de potência que criou as condições para uma guerra exterminadora e o excesso de impotência que condena grandes massas humanas à fome” (5).

Os direitos da pessoa, para Bobbio, dependem dos três diferentes tipos de Estado: “no Estado despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos. No Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados. No Estado de direito, o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de direito é o Estado dos cidadãos” (6).

Sustenta a interdependência entre democracia e direitos humanos, no que coincide com lições de Gomes Canotilho e Pèrez Luño: “é pouco provável que um Estado não-liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um Estado não-democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica desta interdependência está no fato de que o Estado liberal e o Estado democrático, quando caem, caem juntos” (7). Em outras palavras: onde a democracia foi cultivada e preservada, ali floresceram os direitos humanos; ao contrário, onde ela foi afrontada e destruída, ali os direitos humanos foram esmagados impiedosamente.

Embora se possa enxergar otimismo em suas reflexões sobre os direitos humanos, Bobbio lança uma advertência. “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político […] Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados” (8).

A construção da democracia e a tarefa de efetivação dos direitos humanos continuarão sendo impulsionadas pelas lições de Norberto Bobbio.

(1) BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Marco Aurélio Nogueira. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 9 e 13.

(2) _____ . Igualdade e Liberdade. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 7. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 9.

(3) _____. O Futuro da Democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 24.

(4) _____. Teoria Geral da Política. Trad. Daniela Baccaccia Vresiani. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.481.

(5) _____. A Era dos Direitos. Trad. Daniela Baccaccia Vresiani. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 45.

(6) _____. A Era dos Direitos. Trad. Daniela Baccaccia Vresiani. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 61.

(7) _____. O Futuro da Democracia. Trad. Marco Auréilo Nogueira. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p 32-33.

(8) _____. A Era dos Direitos. Trad. Daniela Baccaccia Vresiani. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 24 e 25.

Zulmar Fachin

é professor de Direito Constitucional na graduação, pós-graduação e Escola do Ministério Público do Paraná (Londrina e Maringá), doutor em Direito do Estado (UFPR), mestre em Direito (UEL), mestrando em Ciência Política (UEL) e aluno da pós-graduação (doutorado) em Ciência Política na USP.

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