Não defendemos privilégios

Tenho acompanhado com tristeza e preocupação a falta generalizada de conhecimento sobre os motivos que podem levar à paralisação dos Juizes. E é a partir dessa desinformação que as discussões estão tomando forma, seja através da imprensa, seja nas ruas. Há grande confusão em muito do que se fala. Existe uma propaganda intensiva e equivocada sobre as razões desse protesto da magistratura. Dizem que defendemos a manutenção de privilégios. Quais privilégios?

É certo dizer que o policial tem o privilégio de andar armado? É privilégio do jornalista ter a liberdade de imprensa e garantir o sigilo da sua fonte? É privilégio do senador e do deputado a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos? Não. São garantias necessárias ao pleno exercício profissional.

Os Juizes, desde a Constituição de 1891, têm garantias: a inamovibilidade, a vitaliciedade e irredutibilidade. A inamovibilidade impede que o Juiz seja removido de sua Comarca sem que deseje. A vitaliciedade assegura que ele será Juiz até o final de sua vida. A irredutibilidade diz respeito ao salário que não pode sofrer redução. Essas três prerrogativas garantem a independência e imparcialidade das decisões tomadas pelo magistrado. Por exemplo, quando ele julgar contra o governo estará protegido de qualquer tipo de retaliação. Imagine a fragilidade da justiça se o governante pudesse, de acordo com seus interesses, remover, demitir ou ameaçar o Juiz com a redução do salário. Seria o fim da justiça que protege os direitos de todos os cidadãos de bem.

E ao impor a redução salarial, não é o salário dos Juizes que o governo fere, é a Constituição. O que discutimos é o risco a que toda a sociedade estará exposta se isso acontecer. Se a atual proposta do governo for aprovada, a história, no futuro, irá condená-la. Mas, os Juizes preferem pagar, hoje, o ônus da ousadia de discutir a verdade da reforma previdenciária, a ser, amanhã, acusada de omissão.

E na discussão sobre o salário dos Juizes surge mais uma vez a desinformação a serviço da confusão. Por exemplo, R$ 17 mil não é o salário dos Juizes. Esse é o valor bruto mensal que recebe o Ministro do Supremo Tribunal Superior (STF). Quantos no Brasil todo tem esse salário? Apenas 11 Ministros. E sobre o valor ainda incidem vários descontos, entre eles o Imposto de Renda, 27,5%, e da previdência, 11%.

Mas, existe o escalonamento na carreira da magistratura. Ou seja, vários níveis que diferenciam os ganhos dos juízes. Na hierarquia, de cima para baixo, estão o STF, o STJ, o Tribunal de Justiça, Tribunal de Alçada (no caso do Paraná), Juizes substitutos de Segundo Grau, Juizes de entrância final, Juizes substitutos de entrância final, Juizes de entrância intermediária, Juizes de entrância inicial e Juizes substitutos. E de um degrau para outro a diferença salarial varia de 5 a 10%. Assim, e se a proposta do governo federal for aprovada, o Juiz substituto vai iniciar sua carreira com salário menor que o do escrivão do cartório.

Os Juizes não são favoráveis aos abusos e salários que destoam do contexto da classe média nacional. No entanto, é hipocrisia comparar o salário de qualquer profissional com nível superior ao salário mínimo. Seja o salário do Juiz, do advogado, do jornalista, do apresentador de televisão, entre outros. Profissionais que, salvo exceções, ainda não estão bem informados e, em vez de produzir conhecimento, repetem um discurso inconsistente.

A reforma, como está sendo proposta, é péssima para o Brasil. Atropela direitos previstos no art. 5º da Constituição, princípios e garantias consagradas desde 1891, retira direitos das viúvas, atuais aposentados e quebra mais uma regra básica do direito, a da irretroatividade das leis. Isso porque é apenas uma reforma previdenciária. Quando vier a reforma do Estado e a reforma do Judiciário, não sobrará mais sustentação para defender direitos sociais. Assim, todos os demais cidadãos estarão vulneráveis e a Constituição só prevalecerá quando não atrapalhar as contas do governo, como diz Dalmo de Abreu Dalari.

Por favor, leiam o texto da reforma antes de se manifestar sobre ela.

Roberto Bacellar

é juiz de Direito e presidente da Associação dos Magistrados do Paraná – Amapar.

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