Viagem diária para estudar na capital

A grande concentração de colégios e faculdades em Curitiba, a maior parte na região central, provoca um fenômeno curioso. Muitos alunos precisam colocar o pé na estrada e se deslocar de municípios da região metropolitana ou do litoral, como Paranaguá e Morretes, para ter acesso a uma instituição que acreditam fornecer maior qualidade educacional.

Quem acaba sofrendo mais são os estudantes que ainda não concluíram o segundo grau e têm menos de 18 anos, já que não podem dirigir. Alguns acabam fretando kombis e vans, que dividem com grupos originados na mesma região.

Os de classes sociais menos abastadas, mesmo que tenham carteira de motorista, muitas vezes não têm condições de se locomover de carro ou veículos particulares locados e acabam utilizando o transporte coletivo.

É o caso de Anna Paula Garcia, que faz cursinho no Dom Bosco e mora em Araucária. Diariamente, ela pega três ônibus para ir e três para voltar do curso, o que consome três horas. Como estuda à noite, ela chega em casa de madrugada, à 1h50. "Durmo às 2h e acordo às 7h para trabalhar, pois tenho uma loja de banho e tosa para cachorros. É uma rotina extremamente cansativa", diz.

Anna Paula confessa que, algumas vezes, chegou a cochilar em sala de aula de tanto cansaço e sente uma certa queda de rendimento em função da verdadeira "viagem" que faz todos os dias. "É complicado. Há dias em que estou muito cansada e saio antes da última aula, mas não posso desistir. Tenho o sonho de fazer Química e trabalhar com petróleo. Sei que o sacrifício vai valer a pena." Há três anos Anna Paula vive essa rotina e, se for aprovada no vestibular, vai passar pelo menos mais cinco anos fazendo essa viagem. "Vale a pena pela qualidade de ensino. Vou continuar na luta."

A estudante Daiane da Rosa Gomes, que mora em Campina Grande do Sul e faz cursinho no Expoente, optou por estudar à noite para não ter que madrugar. "Levo uma hora de ônibus para chegar no Expoente e teria que sair de casa muito cedo. Prefiro estudar em casa pela manhã e vir no final da tarde para a aula. Rende mais", diz a aspirante a uma vaga no concorrido curso de Medicina. Ela desce no ponto de ônibus perto da sua casa quase uma hora da manhã e confessa que sente um pouco de medo. "É um horário que não tem quase ninguém na rua e acaba sendo perigoso. Ando bem rapidinho, mesmo estando cansada da viagem". Outro perigo que Daiane ressalta sobre o longo trajeto que faz é a condição do asfalto na região de Campina Grande do Sul. "Quanto maior a distância, maior o risco. A pista não está bem conservada, mas até hoje nada de pior aconteceu."

Caminhada

Se Daiane ao menos tem a sorte de ter à sua disposição uma linha de ônibus que pára perto do colégio e de casa, Daniela Pavin não tem o mesmo atenuante. Para evitar ter que tomar três ônibus de Colombo até o centro de Curitiba, onde fica a sede do Expoente onde ela faz cursinho, ela pega apenas um. "Desço no terminal Guadalupe e após quase uma hora dentro do ônibus, caminho mais meia hora até o cursinho (na Rua Comendador Araújo)", relata Daniela. Além do cansaço provocado pelo tempo no coletivo e pela caminhada forçada, ela diz que fica angustiada com o medo que sente. "A região do Guadalupe é bem perigosa e tenho medo de ser assaltada. Por isso, mesmo cansada, especialmente na volta, acelero o passo."

Levando uma hora e meia para ir e outra hora e meia para retornar ao lar, Daniela conta que nem consegue estudar quando chega em casa – ela freqüenta o cursinho à tarde. "Tomo banho e vou direto para cama dormir. Se não faço isso, o estudo não rende no dia seguinte." Também concorrente a uma vaga de Medicina, ela diz que vale a pena o sacrifício. "É uma rotina desgastante e certamente poderia render mais se não levasse tanto tempo de uma cidade a outra. Mas o sacrifício vale a pena pela qualidade do ensino dos cursinhos aqui em Curitiba, que aumentará minha chance de ser aprovada", acredita.

Transtornos também para quem usa carro

Quando o estudante chega à universidade, há uma saída para amenizar o cansaço das viagens – desde que ele seja, ao menos, de classe média. Com dezoito anos, vem a possibilidade de o jovem tirar a carteira de habilitação e passar a utilizar carro. Mesmo assim, morar longe do local de estudo não deixa de causar alguns transtornos.

O estudante de Educação Física da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Carlos Evandro Collere, mora em Campina Grande do Sul e estuda no campus no Prado Velho. O fato de pegar apenas rodovias para chegar à universidade faz com que o tempo de percurso não seja tão alto. No máximo, em meia hora ele está no portão da instituição e acaba perdendo tempo mesmo no congestionamento do estacionamento. Mas o incômodo, neste caso, está relacionado ao alto gasto com combustível – R$ 240,00 por mês. Afinal, ele percorre 50 quilômetros diariamente. "Na verdade, eu só consigo estudar porque minha família me ajuda", diz. Collere trabalha na Secretaria de Esporte de Campina Grande do Sul, onde ganha uma bolsa.

Além do gasto com combustível, Collere diz que tem que estar sempre alerta com os buracos nas pistas. "É um risco constante transitar nas BRs, mas com o tempo a pessoa vai conhecendo as rodovias e sabe onde tem que desviar", diz. Mesmo assim, o estudante já passou maus bocados, quando um grande buraco se abriu na pista e ele não conseguiu desviar a tempo. "Por sorte furou apenas um pneu e amassou a roda. Nunca sofri nenhum acidente grave, mas quem mora longe de onde estuda, sempre corre um risco a mais." Apesar dos pontos negativos, Collere nunca pensou em desistir. "É um esforço que vale a pena, apesar da ralação. Em Campina até tem faculdade, mas não tem o meu curso. Então, estudar na PUC foi a saída que encontrei. Pelo menos ainda tenho a sorte dos meus pais emprestarem o carro." Pior que isso é que as grades dos cursos nem sempre ajudam. "Às vezes tenho que ir para a faculdade apenas para assistir a uma aula."

Juliano Trapp, que também faz Educação Física na PUC e mora em Pinhais, gasta menos em combustível, já que percorre 22 quilômetros por dia, mas confessa que a rotina muitas vezes é cansativa. "Dependendo do dia, complica. O trânsito em si já é estressante. Quanto mais tempo a gente perde com isso, mais cansado fica", diz. (GR) 

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