Pequenos catadores, grandes sonhos

O sonho de ser médico, professor ou advogado não é exclusivo das crianças que têm acesso a uma boa escola e uma condição de vida privilegiada. Também é o ideal de meninos e meninas que precisam ajudar sua família trabalhando, catando papel nas ruas de Curitiba. Em meio ao lixo, papelão e sacos plásticos, ainda há o sonho de mudar de vida e ser "alguém" quando crescer.

É tamanha a quantidade de crianças trabalhando como catadores de papel em Curitiba que elas já fazem parte da paisagem dos moradores da cidade. Qualquer um pode verificar a presença das crianças ao parar nos semáforos, sair de garagens, passear, buscar os filhos no colégio. Elas estão catando papel, revirando os lixos de casas e prédios, e ainda alimentando o sonho de um dia não precisar mais fazer aquilo.

Ensinar. Este é o desejo das irmãs Daniele, 8 anos, e Denise, 7, que ajudam a mãe Meri Terezinha a encher o carrinho com papel. Mas elas precisam, antes, aprender. A família se mudou para Curitiba há seis meses, vinda do Norte do Estado, e as meninas não foram matriculadas na escola este ano. "Queria estar estudando", diz Daniele. "Quero ser professora. Sei que tem que estudar bastante. E quero estudar", afirma. Denise concorda com as palavras da irmã. As duas falaram de seus sonhos com uma certa tristeza, com um semblante difícil de se ver em uma criança. Talvez quisessem expressar que a realidade para elas já é dura e que o destino que as aguarda seja somente esse.

Todas as tardes, mãe e filhas saem de onde moram, no Prado Velho, para garantir o sustento da família. Meri acredita que levá-las para as ruas é inapropriado, mas também não estariam seguras se permanecessem em casa. "Sentem falta da escola, da rotina que levavam, mas vão estar estudando no ano que vem", enfatiza.

Um menino simpático que deixa claro para todo mundo que ajuda a sua mãe a cuidar das irmãs pequenas, uma de 2 anos e outra de 10 meses. Esse é Juan, 4 anos, filho de Rosicléia Ribeiro, que acompanha sua família na jornada de catar papel pelas ruas. Quer ser policial quando crescer. Ele não está na escola ou na creche, mas sua mãe promete que no ano que vem Juan estará estudando. "Quero aprender a ler e a escrever", conta o menino.

Rosicléia leva seus filhos junto no trabalho porque não conseguiu vagas na creche perto de onde mora, no Parolin. "Estou esperando na fila. Não dá para deixá-los sozinhos e nem pagar alguém para cuidar", declara. Apesar da dura rotina, Juan mantém o espírito de uma criança alegre e cheia de esperança. O sonho dele ainda não morreu.

Bruno de Souza, 9 anos, quer ser médico. Antes de realizar seu sonho, sai pelas ruas do centro de Curitiba com o tio, Jonas de Souza, de 16 anos, e retorna para o Prado Velho depois de algumas horas recolhendo papel à tarde. Ele estuda de manhã e gosta de ir para a escola. Apesar das poucas palavras e do jeito envergonhado, Bruno diz que deseja ser um homem que pode salvar vidas. "Vou continuar estudando para isso", promete. E, dessa maneira, estará se salvando também.

Mas, em algumas situações, os sonhos já foram embora. Jonas fala, com a cabeça baixa, que vai continuar catando papel por um bom tempo, provavelmente pelo resto de sua vida. "Infelizmente, vou catar papel. Preciso ajudar a minha família. Meus pais são velhinhos e não podem trabalhar", comenta. Jonas queria ser jogador de futebol. Parou de estudar e não pretende voltar tão cedo, justamente pela necessidade de sua família.

Apesar de muitos já terem desistido, os sonhos de criança ainda permanecem vivos. Oportunidades e incentivos podem contribuir para que mais médicos, professores e policiais ajudem aqueles que ainda não conseguiram dar uma virada na realidade.

Não se sabe quantas crianças catam papel em Curitiba

Não há números oficiais de quantas crianças estão nas ruas de Curitiba catando papel sozinhas ou junto com a família. Mas segundo a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Margaret Mattos de Carvalho, a capital é a primeira cidade do Estado nesta triste estatística. "É a pior até mesmo pelo tamanho da cidade", afirma. O último levantamento sobre o assunto foi feito em 1999. Naquela época, eram 400 meninos e meninas revirando o lixo de casas e prédios à procura de papel. "Com certeza, esse número só vem aumentando", revela Margaret.

Para ela, as principais razões para as crianças estarem nas ruas fazendo este tipo de trabalho são a falta de creches perto de onde moram, horário incompatível para os pais deixarem as crianças na escola ou na creche, e medo dos filhos ficarem sozinhos em uma casa sem condições mínimas de moradia e localizada em uma área de constante violência. "A Prefeitura, por exemplo, não vai investir em áreas de invasão. É uma situação complicada, pois a responsabilidade é do governo. Não se pode responsabilizar as famílias de levar as crianças se não existe essa estrutura. Porém, a partir do momento que o Estado oferecer o atendimento, a família pode ser responsabilizada. Se tiver creche e escola, se os horários forem compatíveis, não há desculpas", avalia Margaret. A procuradora também coordena o Instituto Lixo e Cidadania, criado em abril de 2001, que orienta 40 grupos de catadores de papel da Região Metropolitana de Curitiba. (JC)

Situações de risco são atendidas pelo Peti

As crianças que se encontram nessa situação são atendidas pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Segundo a diretora da Fundação de Ação Social (FAS) da Prefeitura de Curitiba, Ana Maria Macedo, 3.784 crianças são atendidas pelo programa na cidade. O Peti dá assistência para crianças a partir de sete anos de idade, que devem estar matriculadas na escola.

O programa é composto por atividades complementares, no contraturno das aulas, realizadas muitas vezes por parceiros da administração municipal. A procuradora do Ministério Público do Trabalho, Margaret Mattos de Carvalho, admite que é impossível realizar um tratamento universal e, por isso, as crianças em maiores situações de risco são priorizadas pelo Peti.

O governo federal repassa os recursos para os municípios, pagando R$ 10 por criança atendida. Cada família recebe R$ 40 por criança inclusa no programa. "Tem aumentado cada vez mais o atendimento. Além disso, o município tem que aceitar fazer este tipo de trabalho. Alguns acham que é um ônus, mesmo com a ajuda da União", afirma Margaret.

De acordo com Ana Maria, os núcleos regionais também acompanham as famílias em ações socioeducativas, como convencer os pais a não levar seus filhos para o trabalho de recolher papel. "É um universo muito grande e vai levar um tempo para que o atendimento seja completo. A Secretaria Municipal de Educação também está buscando a ampliação da educação infantil", enfatiza. Ela informa ainda que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente está fazendo um cadastramento dos catadores de papel para o direcionamento de políticas públicas para essas pessoas, tanto crianças quanto adultos. (JC)

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