ONU quer vetar distribuição de alimentos de nações ricas a países africanos

Em meio ao calor de 40 graus, mosquitos e falta de higiene, o hospital infantil na periferia de Acra é obrigado a distribuir alimentos produzidos na França e subsidiados pelo governo de Paris. Sem uma agricultura capaz de fornecer alimentos à população, os países africanos vinham apelando cada vez mais às doações internacionais. Mas, agora, a ONU quer acabar com essas práticas que, no longo prazo, estão deixando o setor agrícola africano fragilizado.

Por dia, os produtores do países ricos recebem mais subsídios que o Banco Mundial destina por ano para toda a agricultura africana nos 54 países do continente.

O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon, quer acabar com os esquemas dos governos dos Estados Unidos e da Europa de distribuir alimentos aos países mais pobres com produtos cultivados pelos seus próprios agricultores.

Hoje, além de pedir a abertura dos mercados, Ban defendeu maiores incentivos para a produção de alimentos na África e admitiu rever a estratégia da ONU de distribuição de comida.

Até hoje, grande parte dos produtos enviados às regiões mais miseráveis são cultivados nos países ricos e enviados aos locais mais pobres. O governo americano promete recursos para alimentar os países na África. Mas, na realidade, esse dinheiro vai aos bolsos de seus próprios agricultores. O governo compra os alimentos nacionais e envia aos famintos.

Para os mais críticos, o esquema servia para subsidiar de forma indireta os próprios produtores americanos e europeus. Agora, a ONU quer rever esse esquema, inclusive dos pacotes de alimentos vindos da França.

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), até hoje os pacotes de alimentos franceses com um preparado de leite, legumes, açúcar e vitaminas custam mais barato que comprar alimentos locais.

Mas, com anos de práticas parecidas a essa, o setor agrícola africano foi à falência. Agora, com a alta nos preços dos produtos e o aumento do número de crianças desnutridas, os pacotes de alimentos franceses estão pesando cada vez mais nas contas da ONU e do Ministério da Saúde local.

"Nunca vimos tantas crianças chegando abaixo do peso", afirmou Peace Gyoki, enfermeira do hospital visitado pela Agência Estado em Gana.

Representantes do Unicef revelaram que os pacotes passariam a ser produzidos localmente e que a própria ONU faria investimentos para a construção da fábrica.

A iniciativa faz parte do que o Banco Mundial está chamando de o "New Deal da Agricultura mundial", incentivando a produção local

Para isso vai aumentar a ajuda para a agricultura africana de US$ 400 milhões para US$ 800 milhões por ano. Críticos alertam que o valor da ajuda representa menos de 1 dia de subsídios nos países ricos.

A ONU ainda quer que o G8 passe a lidar com a crise de alimentos e garante que a FAO vai se reunir em maio para redefinir sua estratégia. Já as operações de paz vão passar a incluir maiores medidas para garantir alimentos.

Outra preocupação é com as mudanças climáticas, que também estariam afetando de forma desproporcional a produção agrícola nos mais pobres, já que não contam com recursos ou tecnologia para se adaptar.

Para a ONU, um acordo ainda deve ser encontrado para garantir que os países mais pobres e que contam com recursos naturais consigam tirar proveito do boom das commodities. A idéia seria canalizar esses novos recursos para garantir que não fiquem apenas nas mãos de poucos, mas que sejam distribuídos para reduzir a pobreza e aumentar o crescimento.

Ban Ki Moon insinua que poderia haver um entendimento sobre um padrão global para regulação de royalties e taxas em setores como mineração.

A ONU aponta que, de fato, os países emergentes incrementaram seu peso na economia mundial e milhões foram retirados da linha da pobreza. Mas o problema é que nem todos os países conseguiram aproveitar o crescimento da economia mundial, que dobrou de tamanho entre 1990 e 2007, alcançando US$ 53 trilhões.

Cerca de 50 economias não conseguiram acompanhar o ritmo de crescimento. Pelos cálculos da entidade, há cerca de 1 bilhão de pessoas que podem "afundar" para níveis de pobreza extrema. "As estratégias de desenvolvimento desses países fracassaram e as nossas também", concluiu Ban.

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