O preconceito, as drogas e a violência no Brasil (II)

A primeira parte deste ensaio tentou demonstrar sinteticamente a perspectiva histórica do surgimento e propagação das formas de violência e preconceito hoje praticadas no Brasil, cujos resultados e disseminação estão intimamente ligados aos processos de dominação e manutenção do poder estabelecidos em nosso país. Percebe-se então que a violência original, cujos resultados lançaram gerações e gerações de cidadãos ao ostracismo e à ausência de dignidade, teve como principal fomento a dominação, a escravização e o massacre dos insurgentes. Surgiu, portanto, a violência, não nas favelas ou morros, tampouco nas senzalas, mas em palácios, parlamentos e gabinetes. Uma nova abordagem do problema é necessária, a fim de constituir métodos e procedimentos capazes de suprir as demandas educacionais.

Parte II O Surgimento da forma moderna de violência

Se escandalizam e apavoram os noticiários que relatam com detalhes desnecessários a capacidade adquirida por alguns dos atrozes criminosos que hoje perambulam à sombra do Estado brasileiro, devido à capacidade de não apenas roubar ou adquirir ilicitamente algo, mas também de torturar e impor sofrimento a vítimas indefesas e sem culpa, é fundamental buscar as razões que levaram à eleição, por algumas pessoas, em algum momento, de padrões morais e éticos que justifiquem práticas cruéis, cujos resultados vão além do objetivo final, a obtenção de dinheiro. A compreensão de tal fenômeno é fundamental. Afinal de contas, se a pobreza, a desagregação familiar e a não-garantia dos direitos fundamentais são trampolins para a marginalidade, a escola, quando conhecedora dos fatores implicantes na metamorfose do jovem ou criança em marginal, pode ser transformada em uma instituição propagadora de idéias e comportamento capazes de trazer à luz novos caminhos.

É desnecessário dizer que hoje, no Brasil, a violência mecânica e imposição da vontade através das armas e da força física já não constituem privilégios estatais e oligárquicos. Os padrões de coação, extorsão, ameaça, roubo, homicídio em massa, foram muito bem aprendidos pelas classes mais humildes, tendo em vista o amplo contato que tiveram com tais técnicas, geração após geração. É importante fazer aqui uma ressalva: não há qualquer alusão ao mito do bom indígena, tampouco é defendida a idéia de que todos os homens humildes são bons. Mas, é fato, tais práticas específicas de violência têm origem na necessidade de oligarquias e poder constituído em fazer cumprir seus objetivos de lucro e dominação territorial.

Sob essa perspectiva, torna-se possível perceber como os referidos procedimentos foram disseminados e absorvidos por todas as instâncias da sociedade brasileira. Afinal, sob o jugo do vício ou de outras distorções humanas, indivíduos oriundos nas classes menos afortunadas, em maior número, e ainda outros nascidos em berços mais confortáveis, em menor proporção, se tornam repetidores e mantenedores do estado alarmante das relações sociais do Brasil. Mas, o que motiva sua prática?

Em síntese, a sociedade de consumo. Nenhuma alusão aqui à preferência por uma ou outra doutrina econômico-social, mas o estímulo à aquisição de bens de consumo, uma prática necessária no mundo construído sob a égide da fragmentação do trabalho, estímulo à produção e valorização da capacidade de adquirir bens e serviços, pode se tornar o fertilizante que faz brotar a percepção da exclusão, a sensação de abandono, o sentimento de inferioridade e, por fim, o ódio.

Assim, bombardeado pelo estímulo às compras, despesas, obtenção de confortos, prazeres e status, mas incapaz de dar vazão aos desejos devidamente estimulados, surge o inconformismo com a condição de inapto a realizar o que, segundo dizem por aí, é fundamental para a aquisição de algum ?respeito? ou ?admiração?. Surgem, conseqüentemente, diversas formas de reação, que vão do conformismo, passando pela ação propositiva e modificadora da própria realidade, até a radicalização das ações, em tom de revolta contra a realidade circundante.

A violência moderna caracteriza-se não apenas pelas suas manifestações tradicionais, que caracterizam as ações de assalto ao patrimônio alheio, mas também pela supervalorização dos bens de consumo mais cobiçados. Não é à toa que aparelhos celulares, carros luxuosos e roupas caras estejam entre os objetos mais cobiçados por quem se propõe a gerar o próprio sustento através da ?via torta?. Tampouco deve surpreender que a alguém cujas motivações, acima descritas, valorize o que pode tomar ou subtrair, em detrimento da vida humana.

A barbárie contemporânea surge, portanto, da necessidade de adequação ao modelo de consumo exigido e não contestado pela sociedade moderna, cujos conceitos são transformados em ideologia radical, por aqueles alijados, por razões diversas, dos grupos sociais aptos a adquirir a renda mínima necessária capaz de satisfazer a pressão de consumo apresentada pela sociedade e imposta pelo próprio indivíduo a si mesmo, em uma tentativa de se adequar ao que a realidade apresenta.

Assim, é possível concluir que:

O modelo de violência adotado hoje tem origem nas práticas de dominação, escravização e obtenção de poder secularmente disseminadas no Brasil;

A necessidade de obtenção de bens de consumo, culturalmente eleitos como símbolo de status, é o fomento de grande parte das ações criminosas;

A banalização de crimes contra a vida humana se deve à valorização daquilo que pode ser obtido com a intimidação e as ameaças, em detrimento da preservação da vida e da dignidade.

Compreendendo o novo fenômeno, a escola pode apreender e propor novas formas de lidar com os jovens envolvidos ou prestes a se envolver com o crime.

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