O poder das paixões

A primeira definição do dicionarista Aurélio Buarque de Holanda explica que paixão é o sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão. Mais abaixo dirá que é arrebatamento ou cólera, disposição que contraria a lógica; fanatismo e cegueira. Talvez por isto Aristóteles teria afirmado que as paixões são como bestas selvagens.

Para Descartes, ela serve para fortalecer e conservar na alma os pensamentos convenientes e só se torna prejudicial quando dura mais do que deve ou por conservar outras inúteis. Russeau e Diderot concordavam que as paixões são úteis porque se deseja conhecer o que se usufrui, mas Fénelon e Pascal resumiam o grande drama humano à luta da razão contra as paixões.

Como se vê, os filósofos antigos dividiam-se quanto ao papel reservado às paixões na vida do ser humano. Descartes reconhecia suas manifestações no ódio, no amor, na alegria e na tristeza. Via nestes sentimentos a ocorrência de experiências passivas. Ninguém delibera experimentá-las. Sofre-se sua ação. São percepções e conhecimentos do exterior. O contraponto da vontade e da razão está não em senti-las, mas em conhecê-las e exercer controle sobre elas. Se até os animais podem ser adestrados, coloca o positivista, com mais razão o homem, que é racional, pode dominá-las.

Temos paixão por pessoas, pelo futebol, pelo trabalho ou por uma profissão em especial, pelos animais, pela natureza, por uma arte, por roupas, jóias, automóveis, por política, dinheiro, livros, por uma ciência ou religião. As paixões podem ser motivadoras da criação, das conquistas, da realização dos sonhos. E podem conduzir ao abismo dos vícios, à destruição das amizades, ao fanatismo, aos crimes, à própria morte.

As quatro principais ?perturbações? da alma de Santo Agostinho – alegria, tristeza, desejo e medo – constituem os quatro fundamentos da psicologia moderna. Há muitas outras. Allan Kardec cita o orgulho, a ambição, a avareza, o ciúme e a inveja. Leibniz entende que as inquietações ou percepções confusas da alma somam-se e criam desejos de prazer. Levados ao excesso, formam as paixões.

A mais conhecida paixão é o sentimento de arrebatamento e posse nutrido por outra pessoa. A ciência fornece explicações que contrariam as teses românticas. Os apaixonados apresentam níveis de alguns hormônios e neurotransmissores mais elevados. Dopamina, noradrenalina, feniletilamina e ocitocina, entre deles. Finda a crise que dura de 18 a 30 meses, predomina a endorfina, responsável pela sensação de segurança e tranqüilidade. É a estabilidade do amor e da amizade. A paixão afetiva, com seu forte componente sexual, cria uma dependência química mais potente que o vício da heroína. Palavra de especialistas.

Note-se que espiritualmente podemos atribuir as próprias variações hormonais citadas não como causas em si, mas efeitos da ação da própria alma e da matriz energética sobre o físico. A presença do ser amado provoca reações emocionais na alma e desencadeia reações orgânicas capazes de expressar o sentimento de necessidade afetiva exacerbada e felicidade quando atendido o desejo.

Perscrutado o cérebro detectou-se que as paixões ativam áreas mais primitivas, encontradas até em répteis, como o núcleo caudal e a região tegmentar, normalmente ativadas no prazer da fome e sede quando saciadas, ou pelo uso de drogas no viciado. Um estudo apontou que os níveis de serotonina dos apaixonados é idêntico ao dos pacientes que sofrem de transtornos obsessivos-compulsivos.

Assim, as paixões se nos afiguram como algo negativo e perigoso. Espiritualmente falando, elas se opõem às virtudes. A quantidade e intensidade delas tornam ou mantêm o corpo espiritual mais denso, determinando os retornos ao palco terrestre, via reencarnação, pela atração que mundos grosseiros como a Terra exercem sobre ele.

As paixões também constituem o ponto nevrálgico dos chamados processos obsessivos em que seres encarnados e desencarnados, em flagrante desequilíbrio emocional, interagem entre si, causando enfermidades físicas e mentais, fracassos pessoais, dificuldades profissionais, discórdias familiares e uma infinidade de desconfortos.

Aspecto muito influenciável pelas paixões é a transição da morte, incluindo muitas vezes o antes e seguramente também o depois. As paixões prendem o espírito ao corpo e ao mundo material, aumentam-lhe as incertezas e temores e agravam, quando não as provocam, as enfermidades. O momento da desencarnação transforma-se em agonia. Debate-se o indivíduo que não quer se separar de seus bens e afeições. Após, a duração da chamada ?perturbação?, para ele é mais longa e penosa. Levará mais tempo até que perceba o amparo dos amigos e benfeitores espirituais e alcance o mínimo de equilíbrio e paz.

Voltando aos filósofos, Demócrito dizia que a medicina cura as doenças do corpo e a sabedoria livra a alma das paixões. Aristóteles ensinava que a virtude era o hábito de moderar as paixões pela razão. Já Russeau entendia que um povo sem moral fica à mercê das paixões para as quais existem as leis, porém, estas só funcionam algumas vezes para deter os maus, sem jamais torná-los bons.

Mesmíssima idéia de Kardec em Obras Póstumas, quando afirma que até as boas leis só coíbem as más paixões, sem destruí-las. Valiosa abordagem está no tópico intitulado ?Das Paixões?, em O Livro dos Espíritos. Das questões 907 a 912, resumimos: as paixões têm seu princípio na natureza e não são um mal em si mesmas; são como alavancas que decuplicam as forças do homem e o ajudam na realização dos objetivos da Providência. O mal está no seu abuso. Reaparece ali também a idéia aristotélica ao afirmar que as paixões são como um cavalo, útil quando dominado, mas perigoso quando descontrolado.

A paixão real segue o texto – é o exagero de uma necessidade ou sentimento. Está no excesso e não na causa e assim aproxima o homem da natureza animal. Para vencer as paixões, o que falta é vontade, mesmo naquelas que parecem irresistíveis. Quando consegue êxito, representa triunfo do espírito sobre a matéria.

Para finalizar, reflitamos sobre o conteúdo da questão 191 da mesma obra. Comparando os homens civilizados e os primitivos, declara-nos que as paixões inexistentes nos animais, mas já presentes nos selvagens, são um sinal de progresso, pois indicam atividade e consciência do eu; enquanto na alma primitiva, a inteligência e a vida estão em estado de germe.

Assoc. de Divulgadores do Espiritismo do Paraná ADE-PR. adepr@adepr.com.br

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