Microorganismos superam condições adversas na contaminação de frutas

Brasília – A falta de cuidados higiênicos durante a produção e/ou manipulação de frutas amplia os riscos de contaminação por Salmonella spp e Listeria monocytogenes, microorganismos causadores de doenças que podem levar à morte. A conclusão faz parte de tese de doutorado defendida recentemente por Ana Lúcia Penteado, junto à Faculdade de Engenharia de Alimentos (Fea) da Unicamp. A pesquisadora constatou, ainda, que mesmo submetidos a condições desfavoráveis, como baixas temperaturas, os patógenos são capazes de continuar se multiplicando nas polpas desses alimentos, usadas por eles como substrato.

Ana Lúcia tomou para estudo o mamão, o melão e a melancia, alimentos muito comuns nas mesas dos brasileiros. As frutas, que têm pH acima de 4,5, condição favorável à multiplicação de bactérias, foram coletadas em feiras-livres e na Central de Abastecimento (Ceasa) de Campinas. Um dos objetivos da pesquisadora era identificar a presença de Salmonella spp e Listeria spp na superfície dos produtos. Não foram encontrados vestígios do primeiro microorganismo, mas havia a Listeria spp em 7,5% das amostras (nove unidades), embora esta seja de um tipo não patogênico.

O próximo passo da pesquisa foi analisar em que condições (diferentes tempos e temperaturas de armazenamento) a Salmonella enteritidis e Listeria monocytogenes se reproduzem no interior das frutas. Para isso, Ana Lúcia promoveu testes em laboratório. Ela lembra que as frutas não passa por qualquer forma de preparo térmico antes de serem consumidas. O máximo que as pessoas fazem é resfriá-las, medida que não é suficiente para eliminar as bactérias ou mesmo inibir o seu crescimento.

Nos testes, Ana Lúcia constatou que mesmo que as frutas sejam resfriadas a 10ºC, a Salmonella enteritidis consegue duplicar o seu crescimento num período de 7 horas. A 20ºC, o fenômeno ocorre em apenas 1 hora e 41 minutos. “Se as frutas forem armazenadas numa temperatura de 30ºC, o patógeno dobra de proporção em apenas 41 minutos”, informa ela. Os riscos de contaminação humana tendem a crescer, segundo Ana Lúcia, em virtude da falta de cuidados higiênicos. Frutas já cortadas e expostas à temperatura ambiente, como ocorrem em feiras-livres, supermercados e até mesmo em restaurantes da modalidade self service, representam um risco à saúde pública. “Afinal, ninguém sabe como elas foram fatiadas”, pondera Ana Lúcia.

A melhor forma de prevenir a contaminação, recomenda, é redobrar os cuidados no momento de manipular os alimentos. Não usar a mesma faca que cortou a carne ? onde a Salmonella pode ser encontrada – para fatiar a fruta é um deles. “A carne normalmente é frita ou cozida a altas temperaturas, o que mata estas bactérias. A fruta, entretanto, é consumida sem qualquer preparo”, reforça Ana Lúcia. Mas as precauções não devem parar por aí.

Ana Lúcia lembra que os produtores rurais também precisam adotar boas práticas de agricultura. Para ilustrar os riscos que a falta desses cuidados podem proporcionar, ela cita o exemplo da manga. De acordo com ela, em 1999 foi registrado um surto causado pela Salmonella nos Estados Unidos. Foram contabilizadas 78 vítimas em 13 estados, sendo que 15 foram hospitalizadas e duas morreram. Investigando as possíveis causas do problema, as autoridades de saúde descobriram que todos os patógenos eram do mesmo sorotipo (Salmonella newport) e que o elemento comum aos casos era a manga, cujo fornecedor era uma fazenda da cidade de Petrolina (PE).

No Brasil, as frutas eram submetidas a um tratamento hidrotérmico, exigência das normas fitossanitárias norte-americanas. O método consiste em mergulhar as mangas por 90 minutos num tanque com água a 45,5ºC e, depois, resfriá-las a 22ºC por 10 minutos. Ana Lúcia simulou o mesmo processo adotado pela fazenda pernambucana em um laboratório do Food and Drug Administration (FDA), órgão norte-americano que fiscaliza alimentos e medicamentos.

Os resultados da investigação científica forneceram fortes indícios de que a contaminação havia sido causada possivelmente pela água empregada no tratamento. O que reforçou a tese foi o fato de o mesmo lote de frutas ter sido exportado para países europeus sem o procedimento hidrotérmico, uma vez que aquele mercado dispensa tal precaução. Na Europa, não houve casos de contaminação.

“O que provavelmente ocorreu é que a água usada no tratamento estava contaminada com a Salmonella. A despeito da proteção representada pela casca da manga, o microorganismo penetrou na fruta através do pedúnculo. Esse episódio reforça a necessidade da adoção de medidas sanitárias também na produção”, destaca Ana Lúcia. Uma das iniciativas que vêm sendo tomadas para evitar problemas desse gênero é a irradiação dos alimentos, como forma de eliminar larvas de moscas.

A Salmonella e a Listeria monocytogenes são microorganismos que podem causar sérios danos à saúde do homem, sendo amplamente encontrados na natureza. A primeira provoca complicações gástricas e intestinais, enquanto a segunda pode levar à meningite e à septicemia. Em pessoas imunodeprimidas, ambos podem provocar a morte. No caso de mulheres grávidas, a Listeria monocytogenes pode causar aborto ou geração de natimortos. Conforme Ana Lúcia, o diagnóstico dos problemas ocasionados pela bactéria é dificultado pelo fato de os sintomas iniciais serem muito parecidos com o da gripe.

Dados internacionais apontam a Salmonella como o principal agente de surtos nos EUA. Lá, entre os anos de 1993 e 1997, foram contabilizados 32.610 casos, com 13 mortes. Já a Listeria monocytogenes, conforme a literatura, ocupa o terceiro lugar no ranking dos surtos, respondendo por cerca de 7% dos registros. Ana Lúcia tem a expectativa de que seu estudo possa contribuir para prevenir outros casos no Brasil, principalmente os relacionados ao consumo de frutas de baixa acidez.

Além de constituir um problema de saúde pública, essa forma de contaminação também pode afetar a economia nacional. Barreiras fitossanitárias impedem a entrada de alimentos “suspeitos” em diversos países. O Brasil é hoje o maior produtor mundial de mamão. Em 2000, foram exportados US$ 17,6 milhões da fruta. Já o melão e a melancia contribuíram, respectivamente, com US$ 5 milhões e US$ 1,8 milhão para a balança comercial, no mesmo ano. (JUnicamp)

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