Leitor em foco – Conquistas da estética da recepção

Nas universidades da Alemanha do final dos anos 1950, o ensino da literatura se prestava aos interesses comuns de preservação dos valores sociais arraigados, e qualquer tipo de atitude considerada subversiva poderia ser banida. Nesse contexto, a Estética da Recepção veio trazer uma nova perspectiva aos estudos literários e iniciar um processo de renovação, tornando relevantes aspectos antes desconsiderados nos textos.

Naquele tempo, o objetivo final de qualquer leitura sensata deveria ser a descoberta do sentido do texto, dos seus recursos estruturais, da ?mensagem? que a obra queria transmitir, ou daquilo que se pensava ser a intenção do autor. Em última instância, diante de controvérsias, a interpretação indiscutível do professor determinava qual era essa intenção ou qual o sentido aceitável.

Desconsiderava-se que a interpretação do professor também estava condicionada a sua formação, que poderia ser de linha formalista ou estruturalista, ou estar vinculada a correntes psicológicas ou sociológicas. Esse dado permanecia irrelevante, pois, mesmo que as diversas tendências interpretativas se digladiassem em discussões intermináveis (o que ficou conhecido como a ?querela das interpretações?), nenhuma delas levava em conta o papel que o leitor poderia ter no processo da leitura.

Mas, ainda que o ambiente universitário permanecesse conservador, há décadas, a arte moderna integrava o contexto cultural europeu e, com ela, antigos padrões formais e temáticos foram rompidos e novas questões teóricas surgiram. Além disso, depois da II Guerra Mundial, a Alemanha viu-se dominada por uma onda de contestação ideológica nas universidades, e até mesmo o ensino da literatura teve sua validade questionada.

É neste momento conturbado que se manifesta, na Alemanha, a chamada Escola de Constança, constituindo-se na primeira tentativa de deslocar o foco dos estudos para a relação texto-leitor, numa atitude de renovação condizente com o espírito da época. Depois disso, os estudos passaram a se dividir em duas categorias distintas: a dos que se interessam pelo ato individual da leitura (Teoria do efeito estético), representada por pesquisadores como Wolfgang Iser e, posteriormente, Umberto Eco; e a daqueles cujo interesse se volta à resposta coletiva e de época histórica ao texto (Estética da Recepção), como Hans Robert Jauss.

Muitas foram as contribuições trazidas por esses estudos, dentre elas idéias hoje firmemente estabelecidas na área dos estudos literários, inclusive no âmbito escolar. Ultrapassou-se a concepção de obra como uma unidade auto-suficiente, um sistema fechado de existência independente do leitor. Na análise da recepção, o texto é considerado um estímulo, realizando-se apenas no ato da leitura. Nas palavras de Umberto Eco: ?o texto é uma máquina preguiçosa que precisa do leitor para funcionar?.

E diversas são as implicações que podem surgir a partir disso. Imediatamente, conclui-se que o papel desse leitor deve ir muito além do ato de decifrar o código verbal e compreender as informações, numa atitude meramente descritiva. Novas questões se apresentam: Como o leitor chega ao sentido do texto? Esse sentido é o mesmo para pessoas de diferente formação enquanto leitor? Em que medida o texto pode regular a constituição dos sentidos, se normas e valores individuais têm influência nesse processo?

A Teoria da Recepção considera o sentido um efeito experimentado pelo leitor, não um objeto rigidamente predeterminado pelo autor. Isto é, o objeto literário realiza-se na interação com um interlocutor, na medida em que este reage aos estímulos do texto, construindo sentidos, estabelecendo conexões, misturando o seu universo ao universo textual. E, para que esta idéia não leve à aceitação de um verdadeiro caos interpretativo, o texto passa a ser considerado um esquema virtual capaz de instruir a sua leitura desejada. Assim, há um tipo de leitor solicitado pela obra, com habilidades e competências adequadas para que este esquema funcione. A leitura é, portanto, uma atividade que pode se realizar em vários níveis e, para que seja cada vez mais eficiente, é preciso que o leitor seja submetido a esquemas de textos gradualmente mais complexos, que o levem a ampliar suas habilidades. Essa idéia, particularmente, tem motivado reflexões úteis ao ensino da leitura nas escolas. Principalmente, ao trabalho de formação de leitores, considerado hoje uma das principais preocupações dos docentes e dos projetos pedagógicos. 

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