Depois da turbulência, ventos calmos

A aviação é um dos setores mais importantes para o funcionamento do organismo social tal como se apresenta hoje, no auge do encurtamento de distâncias e da rapidez como premissa de desenvolvimento. Porém, para uma área que começa a decolar de uma crise vivida durante mais de dez anos no País, a recuperação envolve tempo, investimentos e adequações. Dos ventos a favor, o Brasil tem seu mercado da aviação reconhecido mundialmente, o que vem ocasionando uma elevação da credibilidade nos organismos internacionais que regem o setor, além da exportação de mão-de-obra formada aqui para outros países. Além disso, as estatísticas mundiais dizem que as pessoas estão voando mais, o que inclui boas perspectivas para a engrenagem do sistema como um todo.

O País tem do que se orgulhar. Vem aumentando sua frota de aeronaves e mantém hoje 11.785 delas, entre aviões e helicópteros, voando com pessoas ou mercadorias. A quantidade de empresas que operam essas máquinas também tem crescido. Hoje compreendemos um total de 840 delas em diversas categorias, incluindo desde as regulares (que mantêm linhas definidas) até as de charter (ou fretamento), táxi aéreo, de aerodemonstração, aerofotografia, cinematografia, publicidade e reportagem, aeroagrícolas, aerolevantamento, inspeção e combate a incêndios – de acordo com dados do Departamento de Aviação Civil (DAC). ?Segundo a Icao (International Civil Aviation Organization) – órgão que legisla sobre o setor em todo o mundo -, o crescimento do transporte de passageiros cresceu 14% no ano passado em relação a 2003. E a Iata (International Air Transport Association) – espécie de associação que engloba pilotos e empresas aéreas de todo o planeta – constatou que este ano já houve crescimento de 8,5%. Isso significa que podemos passar dos 20% em 2005?, afirma o piloto e chefe do Departamento de Ciências Aeronáuticas da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), Luiz Galetto.

A América Latina engloba dados mais modestos (4,8% de aumento em 2004), mas isso se deve ao número bem menos expressivo de aeronaves se comparado à América do Norte, Ásia ou Europa. ?Ainda assim, o crescimento no mercado global puxa o desenvolvimento do setor no Brasil. A competitividade e a melhora na administração dos aeroportos, com a intervenção da Infraero – Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária -, também são responsáveis por cada vez mais pessoas voarem?, credita. Outro dado interessante é o crescimento da aviação executiva no País. ?O Brasil é o segundo no mundo em número de aviões executivos?, lembra o piloto. Mas não pára por aí. Outra constatação é que nossos profissionais da aviação estão sendo reconhecidos em todo o mundo. ?Os pilotos e comissários brasileiros estão sendo absorvidos pelas linhas aéreas da Ásia, África e inclusive dos Estados Unidos?, cita.

Acidentes: mitos precisam ser esclarecidos

Apesar do grande número de aeronaves que caíram no mês passado, assustando o mundo todo, os profissionais da aviação atestam que, estatisticamente, é mais fácil o brasileiro morrer com um raio na cabeça, do que em um acidente aéreo. Para o piloto Luiz Galetto, o aprimoramento dos aparelhos e da técnica, além da formação profissional adequada, têm sido aliados da aviação. Além disso, alguns mitos precisam ser tirados da cabeça de quem ainda tem medo de voar. As turbulências são um exemplo. ?Elas existem até quando o céu está azul e acontecem por causa das correntes de alta altitude, que chegam perto dos 200 quilômetros por hora?, explica. ?Acontece que às vezes o avião chacoalha e muita gente ainda acha que parece defeito na aeronave.?

Outra medida que muita gente ainda não entende é o porquê de não se poder usar telefone celular ou outros aparelhos eletrônicos durante o vôo. ?É que geram pulsos elétricos que entram na mesma freqüência que os aparelhos do avião, causando interferência?, elucida. O piloto avalia também que muita gente acha que aqueles pousos bruscos que as aeronaves fazem de vez em quando são ?barberagens? dos pilotos. ?Eles são necessários em caso de pistas curtas ou molhadas. É que quanto mais curta é a pista, por exemplo, mais perto o piloto tem de chegar da velocidade de stal (ou de perda, que é a velocidade mínima que a aeronave deve estar para conseguir se manter no ar). Daí sai aquele pouso com força, o que não é nenhum problema, já que os trens de pouso (ou os pneus que o avião comporta para andar na pista) são feitos para agüentar muito mais que todo esse peso.? (LM)

Formação profissional exigente

O mercado da aviação é cada vez mais exigente no que diz respeito à formação profissional, tanto dos pilotos, quanto de comissários e mecânicos das aeronaves. O Brasil conta atualmente com 181 aeroclubes, até pouco tempo as únicas sedes de formação desses profissionais. Mas o forte do País está sendo criar mão-de-obra ainda mais aprimorada em conhecimentos técnicos e gerais, o que vem ocasionando um aumento no número de cursos superiores em Ciências Aeronáuticas. Hoje eles totalizam treze em território nacional, dois deles no Paraná (um em Curitiba, oferecido pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), e outro em Londrina, pela Universidade Norte do Paraná (Unopar). No caso da UTP, o curso engloba três áreas de conhecimento: Piloto Comercial, Gestão de Empresa Aérea e Manutenção de Aeronaves. Mas se transformar em um piloto com bacharel tem altos custos: entre R$ 50 a R$ 60 mil. ?Mas o retorno vem em cerca de três anos?, garante o chefe do departamento na UTP, Luiz Galetto.

Museu

Para os amantes do assunto, o campus de Ciências Aeronáuticas da UTP, que fica dentro do Aeroporto do Bacacheri, na capital, tem um museu da aviação onde é possível agendar visitas. Lá, encontram-se desde maquetes de aeronaves que marcaram a história até bombas desativadas usadas pela Força Aérea Brasileira (FAB) na Segunda Guerra Mundial. Um exemplo de objeto que faz voltar no tempo é um visor de bombardeiro usado para lançar bombas atômicas, exatamente o modelo usado pelo avião B-29 Enola Gay, que lançou as bombas sobre Hiro-shima e Nagazaki, no Japão, levando à vitória dos Estados Unidos na Segunda Grande Guerra. (LM)

Momentos de tensão na aeronave

Muita gente não se lembra, mas o Brasil sofreu uma espécie de atentado terrorista, bem nos moldes da realidade que acompanha o País há décadas. Era 1988, governo de José Sarney. Um tratorista desempregado, revoltado contra os altos índices de desemprego, resolveu jogar um Boeing 737 da Vasp contra o Palácio do Planalto, em Brasília. O carioca Fernando Murilo de Lima e Silva – que mudou-se do Rio de Janeiro para Curitiba há cinco anos – era o comandante da aeronave escolhida. Naquela manhã, ele ia de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro, quando ouviu um tiro. O resultado foi um comissário e o co-piloto mortos e mais um piloto que viajava na cabine ferido.

?Ele colocou a arma na minha cabeça e exigiu que fosse até Brasília para matar o Sarney. Eu estava voando alto, a 12 mil metros, quase sem combustível. Percebi umas nuvens e encaixei o avião sobre elas?, lembra. Murilo já tinha acionado o código de segurança de seqüestro, e era acompanhado por caças da FAB. Ao ser obrigado pelo seqüestrador a descer em Goiânia (GO) para abastecer, já tinha uma certeza: ?Pensei que ia morrer de qualquer jeito, então resolvi brigar até o fim?. Ele fez duas manobras jamais imaginadas para um Boeing na tentativa de derrubar o ladrão e deixá-lo tonto: um tuneaux, em que o avião gira 360.º em torno de um eixo imaginário, e logo depois um daqueles parafusos feitos em shows de acrobacia aérea. ?Logo depois pousei. Ele caiu, mas conseguiu se levantar e ainda me usar como refém.? No final da história, a atuação dos atiradores de elite da Polícia Federal acabou com o assaltante morto.

Índices de primeiro mundo em segurança

Um dos aspectos que mais chamam a atenção quando o assunto se refere a segurança, é como a autoridade aeronáutica, o DAC, trata do assunto. Na aviação, não se pode esperar por um acidente. Por isso, prevenção é tudo. ?Além da questão de preservar vidas, envolve o aspecto material também?, afirma o piloto especialista em segurança de vôo, Cyro Withoeft.

Tanto que os avanços tecnológicos vêm para cumprir esse objetivo. Segundo Cyro, o fator material como contribuinte de um acidente é muito baixo. ?Cerca de 80 a 90% dos acidentes aeronáuticos, hoje, têm falha humana como principal contribuinte.? Por esse motivo, o principal enfoque da comunidade aeronáutica mundial é no fator humano como a parte mais frágil de toda a engrenagem do sistema.

De acordo com Cyro, o Brasil tem lutado para detectar esses e outros possíveis fatores envolvidos em cada acidente registrado. Isso pode ser evidenciado nas estatísticas que ocupa em âmbito mundial. ?Nossos índices de acidentes são bem parecidos com os dos americanos e ligeiramente superiores aos dos europeus?, revela. (LM)

Tripulação deve estar preparada

Hoje, exatos 17 anos depois, Fernando Murilo de Lima e Silva não se constrange em lembrar do que lhe aconteceu. ?Fiz o mesmo percurso sete vezes com um instrutor para que não acumulasse traumas. Depois ainda passei para a aviação internacional e hoje estou aposentado?, conta.

O que o piloto sofreu, levanta a polêmica das aeronaves como meios de transporte mais visados por terroristas que desejam causar mortes em massa. O assunto ganhou ainda mais força depois dos atentados contra as torres gêmeas em Nova York no dia 11 de setembro de 2001 e deixou a pergunta no ar: a tripulação está preparada para enfrentar seqüestros em aviões? Murilo acredita que não, mas que, mesmo assim, muito já está sendo feito para que riscos como esse diminuam. ?Uma das providências mais importantes é que hoje os aviões já vêm com cabines blindadas, dificultando o acesso do seqüestrador ao piloto e evitando que tome o controle?, cita.

Investigação

O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) é o órgão brasileiro responsável pela prevenção e investigação de acidentes envolvendo aeronaves. O órgão emite os chamados relatórios de perigo, usados por profissionais do setor para detectar possíveis situações que envolvam risco ao tráfego aéreo. Esses relatórios têm sido instrumentos importantes para diminuir os acidentes, acredita o coronel Carlos Alberto da Conceição, chefe do Quinto Serviço Regional de Aviação Civil, o Serac 5, que abrange os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. ?O problema é que a falta de conhecimento em relação a esse relatório é muito grande, por isso trabalhamos para esclarecer a importância de se descrever qualquer que seja a situação?, avalia. (LM)

Influência direta no valor das passagens

A principal explicação para o alto custo das passagens aéreas são os altos valores envolvidos na manutenção das aeronaves. Para se ter uma idéia, cada modelo de avião tem um plano de manutenção, utilizando diferentes ferramentas e manuais. Os profissionais têm de ser altamente especializados, bem como as oficinas, divididas de acordo com o tipo de serviço que executam.

A verificação das peças e circuitos é automatizada. Além disso, tudo que envolve as aeronaves é sempre mais caro. ?As peças de um avião custam pelo menos cinco vezes mais que as de um carro?, conta o engenheiro aeronáutico Pedro de Araújo Souza.

Porém, segundo ele, é o combustível o principal responsável pelos altos custos da aviação, ocupando em média 60% do orçamento. Uma aeronave Bandeirante, por exemplo, com capacidade para 18 passageiros e geralmente utilizada em curtas distâncias, gasta modestos 600 litros de querosene de aviação – um combustível especial para aviões de grande porte – por hora. (LM)

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