Cultura: lente pela qual enxergamos a realidade do ensino religioso

A cultura, em todas as suas expressões, nasce do trabalho do ser humano, com o intuito de realizar a própria humanidade. A busca pelo significado da vida e, portanto, da felicidade, da justiça, da liberdade, eleva o indivíduo à condição de um ser em movimento e, por conseqüência, em constante transformação.

É pela cultura que o ser humano se refaz, recria expectativas, reconstrói seu mundo. Essas mudanças explicam a necessidade de repensar e reconstruir o conceito de cultura, fracionado pelas inúmeras definições atribuídas ao termo, no decorrer da história.

Em todo o processo de compreensão da história, uma das preocupações mais recorrentes consiste na tentativa de explicar a diversidade existente entre os diferentes povos. Assim, o padrão de comportamento dos indivíduos depende da aprendizagem, onde a socialização tem papel fundamental. Pessoas de sexos, raças ou crenças diferentes têm comportamentos diversos, não em função de transmissão genética ou do ambiente em que vivem, mas devido à aquisição de educações diferenciadas. Torna-se possível observar então: a cultura é fator determinante na diferença de comportamento entre os homens.

O ser humano age de acordo com os seus padrões culturais, pois ele é resultado do meio em que foi socializado. Para Edward Tylor, ?cultura é o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade?.

O ser humano é predominantemente cultural, enquanto a cultura é o meio de adaptação dos indivíduos dessa espécie aos diferentes ambientes. Em se tratando de um processo cumulativo, o ser humano recebe conhecimentos e experiências agregados ao longo das gerações que o antecederam e, se estas informações forem adequadas e criativamente manipuladas, permitirão inovações e invenções. Assim, não são o resultado da ação isolada de um gênio, mas do esforço de toda uma comunidade.

Sob tal ótica, a cultura constitui em uma lente através da qual o homem vê o mundo. Pessoas de culturas diferentes usam lentes diferentes e, portanto, têm visões distintas das coisas. O fato do ser humano ver o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a propensão a considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural (etnocentrismo), depreciando o comportamento daqueles que agem fora dos padrões de sua comunidade, discriminando o comportamento ?desviante?.

Comportamentos etnocêntricos resultam em apreciações negativas dos padrões culturais de povos diferentes. Práticas de outros sistemas culturais são vistas como absurdas.

O etnocentrismo é um comportamento universal. É comum a crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade.

A reação oposta ao etnocentrismo é a apatia. Em lugar da superestima dos valores de sua própria sociedade, num momento de crise, os indivíduos abandonam a crença naquela cultura e perdem a motivação que os mantém unidos.

Embora nenhum indivíduo conheça totalmente o seu sistema cultural, é necessário que tenha o conhecimento mínimo da mesma, para então conviver com os outros membros da sociedade. Nenhum indivíduo é perfeitamente socializado. E são estes espaços que permitem as mudanças.

Existem dois tipos de mudança cultural: o interno e o externo. O interno resulta da dinâmica do próprio sistema cultural e geralmente é lenta; no entanto, o ritmo pode ser alterado por eventos históricos, como catástrofes ou devido a uma grande inovação tecnológica.

A mudança externa, por sua vez, resulta do contato de um sistema cultural com outro, o que gera modificações mais rápidas e bruscas. O tempo, portanto, constitui em elemento a ser considerado na análise de uma cultura da mesma forma. Ademais, é importante para a humanidade a compreensão das diferenças entre os povos de outras culturas..

Este fato justifica a necessidade de estudar a diversidade religiosa dentro das escolas. A Lei de Diretrizes de Base 9394/96, no artigo 33, assegura o respeito à diversidade cultural e religiosa, vedando qualquer tipo de proselitismo. O texto reconhece a diversidade religiosa encontrada nas salas de aula, mas não garante que o respeito à diversidade ocorra. Nesta perspectiva, o ensino religioso, implantado nas escolas, viria como resposta a tal discriminação.

Assim, a disciplina de ensino religioso tem como objeto de estudo o fenômeno religioso, ou seja, de todo o processo de busca que o ser humano realiza na procura da transcendência, estruturado na bipolarização entre cultura e tradições religiosas, considerando que toda cultura tem em sua essência a presença do religioso e toda a tradição religiosa constitui-se na parte mais íntima de uma cultura, em um processo simultâneo e interativo.

A partir da elaboração dos PCNER (Parâmetro Curricular Nacional do Ensino Religioso), cultura e tradições religiosas constituem um eixo de estudo, que reúne o conjunto de conhecimentos ligados ao fenômeno religioso, considerando, no entanto, um número reduzido de princípios que lhe servem de fundamento. Busca garantir o respeito à diversidade cultural, étnica, religiosa e política que constituem a multiplicidade de valores dentro de determinada sociedade num processo de construção da cidadania, fundamentado na crescente igualdade de direitos entre os cidadãos.

Portanto, na escola, diante da diversidade cultural e das tradições religiosas em que o educando se insere, o ensino religioso, através do estudo do fenômeno religioso desencadeia o respeito e a tolerância para com o diferente, graças ao diálogo construído a sob a égide do pluralismo, a partir dos opostos, ou seja, utilizando discursos opostos que se estruturam e se respeitam dentro da diversidade de crenças e multiplicidade das culturas. 

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