Cruel tráfico de animais silvestres

Ambientalistas do mundo todo estão engajados em defender uma causa mais grave do que muita gente pensa: o combate ao tráfico de animais silvestres. Tanto quanto rentável a grandes quadrilhas, este é um mercado cruel, que, no Brasil, retira cerca de 38 milhões de animais de seu habitat natural todos os anos para dar-lhes como destino desde laboratórios até colecionadores famintos pelas espécies mais raras e caras. Destes animais, somente um em cada dez sobrevive, já que, desde a captura até o transporte, passam por processos dolorosos ou até mortais. A saga dos protetores desses animais é conscientizar a população a não comprá-los e, assim, diminuir os riscos a que essa biodiversidade está exposta.

 Diversas espécies brasileiras são bastante visadas no mercado negro de animais silvestres. Das que saem de nossas florestas, 40% transpõem as fronteiras do País, principalmente pássaros (82%) – entre eles diversas espécies de araras e papagaios, como é o caso do da cara-roxa, encontrado na reserva do Superagüi, no Paraná, e ameaçado de extinção. Os répteis são também bastante visados, assim como os insetos, o que pode ser explicado pelos preços que alcançam internacionalmente. Para se ter uma idéia, apenas um grama de veneno da cobra coral-verdadeira custa US$ 31.300. Já o da aranha-marrom, abundante na região de Curitiba, não sai por menos de US$ 24.570. Todos os dados são do Primeiro Relatório Nacional do Tráfico de Animais Silvestres, elaborado pela organização não governamental (ONG) Renctas, com sede em Brasília, e que esteve em Curitiba durante a 8.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP8) para lançar uma campanha internacional de combate ao tráfico e à compra ilegal de animais silvestres.

Os ambientalistas explicam que os animais sofrem, e muito, ao serem retirados de seu ambiente natural. E não apenas por isso, mas também pela forma como acontece o processo de captura, transporte e venda. ?Para o traficante, o animal não passa de mercadoria. Mas é uma mercadoria viva, que faz barulho e chama atenção?, explica o coordenador da Renctas, Dener Giovanini. Por isso, os traficantes precisam silenciá-los. ?Os pássaros capturados, por exemplo, geralmente têm os olhos furados para que não vejam a luz do dia e, assim, não cantem?, conta. Outra prática comum entre traficantes é quebrar o osso do peito das araras para que espete seus órgãos e, com isso, fiquem impedidas de se mexer, sob dor constante a qualquer movimento. ?Os micos, quando vendidos nas feiras, em geral estão sob efeito de álcool para que também parem quietos. Eles injetam álcool puro no animal, deste comprado em farmácias, para que fique manso?, explica o ambientalista.

Atrocidades acontecem também com as cobras, que são colocadas em meias e amarradas na cintura dos que as transportam, como se fossem cintos. Além disso, quando a captura acontece entre os mamíferos, é comum que as mães sejam mortas para que os filhotes, a mercadoria que interessa ao tráfico, sejam levados. Uma das coordenadoras da Renctas, Cecília Fernandes é responsável pelos trabalhos de conscientização sobre o tráfico de animais nos aeroportos – todos eles, sem exceção, são rotas por onde os traficantes passam e, muitas vezes, não são detectados. Ela lembra da vez em que um filhote de leão marinho de apenas duas semanas foi encontrado enrolado numa toalha molhada, no aeroporto de Manaus, dentro de uma mala grande. ?Detectamos no momento do embarque. Ele ia até o Japão. Agora, imagine um animal que mama a cada duas horas numa viagem tão longa. Ele fatalmente não sobreviveria?, recorda.

O bicho sobreviveu graças a uma mãe adotiva arranjada com urgência pelos ambientalistas. ?Na maior parte das vezes eles ficam órfãos, já que o jeito de pegar os filhotes é matar as mães, que os protegem. O problema é que geralmente, ao dar um tiro na mãe, o caçador acaba acertando também o filhote, o que o faz passar para outra dupla. Inúmeros animais são perdidos nesse processo de tentativa e erro?, lamenta a ambientalista, principalmente pela punição destinada a esses traficantes, quando pegos: ?Faltam leis rigorosas. O crime ambiental que cometem acaba resultando apenas numa cesta básica que levam à comunidade de onde retiraram o animal ou em trabalhos voluntários?.

A venda de espécies raras é mais rentável do que o tráfico de entorpecentes

O destino dos animais traficados é variado. Entre as finalidades, está a pesquisa – nesse caso, o processo é mais conhecido como biopirataria -, mas há ainda a indústria do artesanato e da moda, além de pet shops e colecionadores particulares. ?Quanto mais ameaçada a espécie, maior o valor no mercado e, portanto, mais procurada?, afirma o coordenador da ONG Renctas, Dener Giovanini.

Este tipo de tráfico remonta à época do descobrimento do Brasil. Mas, pior que antigo, é bilionário: somente no País, movimenta de US$ 1,5 a 2 bilhões por ano, enquanto no mundo todo essa quantia é de US$ 20 a US$ 25 bilhões. ?É um tráfico que envolve quadrilhas poderosas?, enfatiza. Para o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Marcus Barros, o tráfico de animais às vezes supera o tráfico de drogas em termos de rentabilidade. ?E ao mesmo tempo é mais fácil de ser feito ou tem um aparelho contra até menor para combatê-lo que o tráfico de drogas?, ressalta.

Nesse sentido, o combate a esse mercado ilegal tem sido ampliado por meio de parcerias entre as polícias Federal e Rodoviária Federal, ONGs e ainda, com a Infraero, que administra boa parte dos aeroportos brasileiros. Os trabalhos de fiscalização e conscientização têm como foco principal compradores e população, uma vez que a fauna é também um bem público. ?Temos percebido aumento no número de denúncias e diminuição no de compras?, atesta Dener Giovanini. No ano passado, uma pesquisa nacional realizada pela Renctas junto com o Ibope constatou que 84% da população brasileira já sabe que comprar e vender animais silvestres de maneira ilegal é crime e que sete entre dez brasileiros condenam essa prática.

Paraná: rota dos criminosos

Para o coordenador da Renctas, Dener Giovanini, os paranaenses devem estar especialmente conscientes das implicações do tráfico de animais, já que o Estado é rota deste comércio. ?Os traficantes buscam as fronteiras secas, principalmente a tríplice. Além disso, aqui há também animais que são vedetes do tráfico?, enfatiza Dener Giovanini.

As regiões onde as espécies são retiradas no Paraná são a Barra do Superagüi, no litoral, Piraí-Mirim, mais a nordeste do Estado, Nova Esperança, bem ao norte, Laranjeiras do Sul, na região central, e ainda em Foz do Iguaçu, por conta do Parque Nacional do Iguaçu – estas duas últimas se caracterizam, também, como pontos de venda. Pelo menos treze cidades são destacadas ainda como centro de compra desses animais, entre elas as maiores do Estado, como Curitiba, Londrina, Maringá, Cascavel e Ponta Grossa. ?Diversas espécies são retiradas e vendidas no próprio Estado, e elas vão desde o conhecido papagaio-da-cara-roxa, até filhotes de onça, borboletas e insetos?, enumera.

Humanos

O coordenador alerta que o tráfico de animais, além de prejudicial à biodiversidade, também pode implicar riscos à saúde humana. ?Nossos ecossistemas são reservatórios de microorganismos, muitos deles ainda desconhecidos da medicina. Cada passo na floresta implica em chance de contatá-los. Além disso, muitos animais são portadores de vírus que causam doenças como a febre amarela, leischmaniose e toxoplasmose?, avisa. ?Os órgãos internacionais devem perceber que o tráfico de animais não é só um dano à biodiversidade, mas um grande risco à saúde pública mundial.? 

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