A teoria das almas gêmeas

Está se tornado cada vez mais freqüente a utilização de temática espiritualista nas artes dramáticas. Possuímos uma relação com quase 140 filmes estrangeiros que abordam temas reencarnação, a chamada comunicação com os mortos (mediunidade) em suas múltiplas variedades, vida em outros planetas, etc. No Brasil, o destaque fica por conta das novelas. Agora mesmo, pelo menos duas delas envolvem assuntos desta natureza: América e Alma Gêmea.

Ocorre que são peças de ficção e, portanto, descompromissadas com a verdade. Ainda que as equipes responsáveis tenham até procurado levantar algumas informações junto à assessoria de imprensa da Federação Espírita Brasileira, por exemplo, o conteúdo final depende do desejo do autor que, para adequar o enredo ou dar-lhe conotações mais emocionantes, pode se distanciar muito da realidade.

Como não assisto nenhuma das duas, não farei análises em cima do que nelas é transmitido. Mas sei que em América, muita gente, talvez para simplificar, comenta que o espírito do pai de um personagem comunica-se por intermédio de um boi, o que é um absurdo, segundo os conhecimentos filosóficos e experimentais da Doutrina Espírita. Certos animais demonstram efetivamente uma capacidade peculiar de perceber coisas que nem os humanos conseguem. São capazes de pressentir acontecimentos (elefantes) e ?ver? e ?ouvir? imagens e sons oriundos de dimensões diferentes das nossas (cães, cavalos), porém esta faculdade não caracteriza a mediunidade e sim o animismo (da ou pela própria alma), também presente nos seres humanos. É o que constatamos em O livro dos médiuns e em Mediunidade, de Herculano Pires. Na verdade, a presença do animal nas cenas da novela, pelo que apuramos, representa somente um pretexto, um meio ou lembrança evocativa para a ligação de pensamentos entre o rapaz e o espírito do pai, permitindo a comunicação por telepatia ou talvez pela pneumatofonia (voz direta).

Quanto à Almas Gêmeas, a teoria aí embutida e que dá título à própria novela é antiga e alimentada por muitas pessoas respeitáveis do ponto de vista de contribuição às idéias da religião e da filosofia. Entre elas, a russa Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891), fundadora da Teosofia no último quartel do século XIX. Livros de auto-ajuda têm explorado o tema com sucesso, mas diante dos estudos espíritas, alicerçados na fé raciocinada, para decepção de muitos, ele não se sustenta. Vejamos por quê.

Transcrevemos na íntegra a pergunta 298 de Allan Kardec na obra basilar O livro dos espíritos e a respectiva resposta apresentada pelos orientadores espirituais. ?As almas que deverão se unir estão predestinadas a essa união, desde sua origem e cada um de nós tem, em alguma parte do Universo, sua metade à qual se reunirá, um dia?? Não; não existe união particular e fatal entre duas almas. A união existe entre todos os espíritos, mas em graus diferentes segundo a categoria que ocupam, quer dizer, segundo a perfeição que adquiram: quanto mais perfeitos, mais unidos.

Nas quatro questões subseqüentes, a explicação se completa da qual resumimos os seguintes pontos: a expressão ?metade? usada até por certos espíritos, para designar os espíritos simpáticos, é inexata porque se um fosse a metade de outro, separados, seriam incompletos; a união entre os espíritos sem perda da individualidade ocorre para todos aqueles que já atingiram a perfeição e não a dois quaisquer em particular; a simpatia, muitas vezes observada, mesmo aqui entre os encarnados, é fruto da concordância de suas inclinações e sentimentos, mas decididamente não significa que um seja o complemento do outro.

Somos criados por Deus simples e ignorantes, considerados espíritos a partir do momento que ingressamos no reino hominal, em seguimento ao processo evolutivo já realizado nos reinos inferiores da natureza na qualidade de princípio inteligente. Nesta transição somos dotados de livre-arbítrio que, paulatinamente, irá nos libertando do governo puramente instintivo, permitindo-nos guiar também pela razão e daí seguimos os caminhos do progresso do ser, processo que perdurara infinitamente, mantendo e alargando o grau de consciência. Não sumiremos na Substância Divina como uma gota de água derramada no oceano nem nos fundiremos com nenhuma outra alma, por mais simpatia, amor ou paixão tenhamos com ela. Quanto mais evoluídos, despidos dos vícios e paixões dissolventes, menos importância emprestamos aos desejos e sentimentos de posse, seja material ou afetiva. Quanto mais elevados na senda do aperfeiçoamento espiritual, por mais próximos de Deus e mais cumpridores de suas leis, passamos a pensar e agir mais no sentido coletivo, aumenta a harmonia, a fraternidade e o cultivo dos sentimentos nobres e práticas virtuosas, resultando em maior concórdia, responsável pelas semelhanças e legítimas simpatias que há de unir todos os homens.

Entretanto, como os laços afetivos verdadeiros não se desfazem com a morte física e durante muito tempo retornaremos à vida material pelo mecanismo da reencarnação, é natural que almas ligadas profundamente entre si, tanto pelo amor como pelo ódio, se busquem por aqui. A programação espiritual da vida futura contempla, muitas vezes, o reencontro de almas que se amam intensamente, seja como namorados, amantes, cônjuges, pais e filhos ou amigos. A regra vale para os grandes inimigos do passado, estimulados por desejos de vingança ou necessidade de acerto de contas perante si mesmos e perante Deus.

Para quem gosta e pode assistir novelas, fica a recomendação de cuidado para não confundir ficção com realidade apesar de tantas vezes elas se sobreporem, uma imitar a outra e por aí afora. Enfim, bois não recebem espíritos e nem as almas dos clones ou de gêmeos naturais são gêmeas ou metades. São apenas fantasias, esdrúxula a primeira, romântica a segunda.

(www.adepr.com.br) 

Voltar ao topo