Mulher, negra e pobre

A sociedade brasileira ficou chocada quando veio à tona a denúncia da adolescente de 15 anos presa numa cela com 20 homens durante quase um mês. Naquele período promoveu-se uma verdadeira afronta aos direitos humanos. A jovem teve seu corpo e seus direitos violentados.

Estarrecedor, o fato revela o quão distante dos direitos essenciais está grande parte da população brasileira. O caso da menor paraense é emblemático, pois se trata de uma mulher, negra, pobre e menor de idade, categorias sociais sistematicamente discriminadas e maltratadas. O caso registrado no Estado do Pará não é isolado. Sua publicidade trouxe à tona a existência de outros similares espalhados pelo País. Trata-se de um reflexo da fragilidade das instituições democráticas. Faço questão de lembrar que não existe maior direito ou menor direito. Existem direitos que devem ser reforçados através do cumprimento da lei, visando-se o princípio da impessoalidade, ou seja, sem olhar a quem.

Não há atenuante ao se alegar que a menina era maior, já que isso não justifica a ilegalidade dela, mesmo sendo mulher, ter sido presa numa cela masculina. O simples fato de o poder público tentar utilizar um argumento como este já nos causa estranheza e vergonha, pois se trata de tentativa de esquivar-se do cumprimento do dever. Não basta que haja mobilização social para erradicar o preconceito contra os excluídos. É necessário que as leis que são criadas para diminuir a exclusão e a violência sejam cumpridas. O que se viu no caso da menor presa é que tanto a delegada que a prendeu, quanto a juíza que deu respaldo legal à prisão, passaram por cima das leis e deixaram de ser agentes públicos a serviço da lei, para ?legitimar? uma ilegalidade.

Em outras palavras, a sociedade brasileira precisa apropriar-se dos direitos já garantidos em lei. Tomar conhecimento profundo desses direitos e sentir-se detentora deles é um passo significativo. Estado, sociedade civil e iniciativa privada têm a responsabilidade de agir juntos para transformar direitos no papel em direitos de fato. Como mulher, mãe e avó e na condição de deputada federal, senti-me provocada e ultrajada com a situação de violência contra esta jovem – que representa os excluídos deste País. Este é um problema de todos nós. Quando a sociedade brasileira permite que se desrespeitem os direitos básicos dos seus cidadãos, ela se transforma em uma democracia extremamente frágil, que permite e institucionaliza as desigualdades.

Se uma mulher pode ser vítima de violência física e sexual sem estar protegida pelo manto da lei, conseqüentemente qualquer uma de nós, ou nossas filhas e netas, podem ser vítimas do mesmo tipo de violência. Não podemos nos calar diante de tamanha atrocidade. Pedimos justiça e ação por parte dos responsáveis.

Janete Capiberibe é deputada federal eleita pelo Partido Socialista Brasileiro do Amapá.

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