“Meio novo”

No universo jurídico, aquilo que parece nem sempre é. Por essa via, escapam crimes e criminosos, assim como inocentes podem entrar pelo cano, mesmo imbuídos da maior boa-fé. Para o ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos, Alex Beltrão, por exemplo, um contrato no valor de R$ 17 milhões com o erário público do Estado dispensa concorrência desde que o beneficiado não seja uma empresa comum. Uma Oscip – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, sem fins lucrativos, se enquadraria nesta categoria privilegiada. Tanto que selou o acordo sem dar bolas nem pelotas para a platéia contribuinte.

Pode dizer o ex-secretário do governo passado que agiu seguindo orientação mais alta, que teve o cuidado de consultar antes o Ministério da Justiça, e coisas do gênero. Não convence. Essa coisa “meio nova” criada segundo os ditames de técnicos de Brasília, causa estranheza, sim. E não apenas ao governador Roberto Requião, que desfez o negócio sem meias palavras, denunciando-o à opinião pública.

Para quem não conhece a história, lá vai um resumo. O governo Jaime Lerner, através de Beltrão, contratou o tal “organismo meio novo” para prestar serviços de informática ao Museu Oscar Niemeyer – o antigo NovoMuseu, cujo espaço disponível e não produtivo faz inveja aos sem-terra. E, embora o serviço não ajude em nada no conserto das goteiras que apareceram, já na segunda semana, dentro do túnel que leva ao famoso olho, ele foi contratado a preço de ouro: R$ 17 milhões ao ano, divididos em 12 parcelas, a contar a partir de 1.º de janeiro último. Esse organismo se chama Associação Via Digital, aberta aparentemente em nome de dois sócios estudantes de engenharia civil, que faziam estágio nada mais nada menos que no antigo NovoMuseu. Apesar de o contrato vigorar apenas a partir do começo deste ano, já no ano passado um ofício de Beltrão à Secretaria da Fazenda solicitava o adiantamento de uma parcela no valor de R$ 1,4 milhão.

Pilhado no ato pelo Ministério Público, o ex-secretário tergiversa. Diz que houve “mal entendido”. Diz também que a tal Via Digital não tinha o objetivo de prestar serviços apenas ao museu, mas também a outros órgãos, que poderiam se tornar clientes do sistema – o que piora as coisas. Afirma ainda que a coisa estava feita de tal forma que o novo governador poderia mudar, romper, desfazer… apesar de não haver dúvidas quanto à data de vigência do contrato.

Esta, que foi uma das últimas obra do governo que passou pelo Paraná prometendo uma revolução, poderia ter merecido destino melhor fosse uma creche-modelo ou um atelier de ofícios. Tem tanta gente precisando disso. O museu, onde foram enterrados preciosos milhões do caixa combalido do Estado, ocupa seu principal espaço para fazer propaganda institucional do Ippuc – um órgão que envelheceu no tempo e no espaço, e não consegue dar resposta a problemas urbanísticos básicos e atuais da grande Curitiba. Não bastasse isso, pela via digital estava prevista essa drenagem de recursos públicos, à semelhança da drenagem dos recursos privados operado pela via do pedágio no Anel de Integração.

Ora, dinheiro público é dinheiro público e o que é novo no negócio de Lerner ou Beltrão é a tentativa de destiná-lo a entes privados – seja lá o nome que lhes dê ou o objetivo que lhes empreste – sem seguir os trâmites consagrados pela boa prática administrativa. Fica parecendo – embora possa não ser – um negócio com baralhos marcados ou, como quer Requião, uma negociata em causa própria com o uso de “laranjas”.

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