Meias medidas

Se as estatísticas comprovam que depois de adotado o novo Código de Trânsito Brasileiro os acidentes diminuíram, devemos nos dar por satisfeitos? Não importa que no Brasil morram e sejam feridas em desastres de carros mais pessoas do que nas guerras que se travam mundo afora.

Satisfazemo-nos com pouco. Acreditamos que se as penalidades por infrações de trânsito foram agravadas, basta. Aceitamos meias medidas, desde que elas sejam mais rigorosas que as anteriores e pouco ou nada nos importamos com o fato de que, em se tratando de segurança pública, não haja suficiente fiscalização e rigor para que as penalidades sejam de fato aplicadas. Nos últimos dias alguns fatos assustaram a opinião pública, porque os meios de comunicação, que cada dia mais se globalizam, os levaram ao conhecimento de todos.

Alguns deles referiam-se às vítimas de ?rachas?, corridas idiotas praticadas em geral por jovens, mas não raro por adultos. Corridas em que quem queimar mais os pneus dos veículos e correr mais riscos tem a vitória porque foi mais exibido e corajoso. Uma espécie de roleta-russa em que idiotas apontam para as têmporas armas de fogo só parcialmente carregadas, apostando na possibilidade de que, ao puxarem o gatilho, nenhuma bala estará na agulha. Se estiver, morre como um bobalhão que joga fora a vida. Mas, se sobreviver, será visto como um herói capaz de arriscar a própria vida por absolutamente nada, senão a admiração de outros mentecaptos que servem de assistência.

Nos ?pegas? de automóveis ou motos há uma diferença: as vítimas podem ser só os motoristas, mas são muitas as possibilidades de que inocentes, pessoas que estejam próximas, passantes, sejam atropeladas e resultem paralíticas, com outras seqüelas ou morram. Foi o que aconteceu no último, mas não derradeiro ?pega? em Brasília, quando morreram duas senhoras que estavam em outro veículo atravessando uma das pontes sobre o Lago Paranoá. O motorista bêbado vai ser processado, mas muito provavelmente não será como o de Curitiba, que aqui matou uma senhora de 82 anos e sua netinha menor que estavam na calçada. E ele, bêbado, perdeu a direção fazendo ?pega? e as esmagou na calçada. Em Curitiba, o criminoso foi condenado à reclusão. O de Brasília tem sobejas chances de cumprir alguma pena ridícula, solto. Prestação de serviços à comunidade, talvez.

Em fatos mais gritantes, distorcem a interpretação da lei para que haja justiça. Os crimes de trânsito são culposos e não dolosos e, por isso, em geral não dão cadeia. Levam a penas brandas, criminosos soltos, às vezes condenados à prestação de serviços que nem realizam.

A distorção é interpretar crimes bárbaros de trânsito como não resultantes da negligência, imprudência ou imperícia, mas motivados pelo desejo de matar, circunstância que os levam à categoria de dolosos. A legislação pertinente deveria, na categoria de crimes culposos, dar um tratamento especial às infrações de trânsito. Elas, quando há excesso de velocidade proposital, ?pegas?, ultrapassagens em lugares proibidos, zonas onde há sinalizadas passagens de pedestres, direção por pessoas alcoolizadas ou não habilitadas, e outros agravantes em que a vida de terceiros está sendo posta em perigo, deveriam ser consideradas crimes culposos especiais. No que tange às punições, deveriam igualar-se sempre aos crimes dolosos.

Senão, o que vai acontecer com o motorista que em Santa Catarina, depois de um terrível acidente na BR-282, com mortos e feridos, desceu a serra na contramão, em alta velocidade, e atropelou os já atropelados, os voluntários, bombeiros e policiais que socorriam as vítimas e até um jornalista que fazia cobertura? Provocou danos materiais até mesmo em ambulâncias que estavam socorrendo as vítimas. E novas mortes, inclusive de pessoas que escaparam do primeiro acidente. Ele será preso, mas julgado por crime culposo. Ou doloso, numa distorção da lei para que não haja, mais uma vez, a leniência com que são tratados os crimes de trânsito neste País de bonzinhos e de jeitinhos. Ou será solto com o pagamento de alguma multa irrisória ou um habeas corpus impertinente.

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