Medina liberou caça-níqueis após irmão ser acionado

Entre os primeiros contatos da organização que explora máquinas caça-níqueis com o advogado Virgílio Medina, irmão do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Medina, e a concessão de liminar, pelo magistrado, liberando equipamentos apreendidos, passaram-se apenas 20 dias. Os detalhes das negociações foram captados por escutas da Polícia Federal, que, no último dia 13, deflagrou a Operação Hurricane, para investigar a venda de sentenças judiciais.

As interceptações telefônicas sobre a suposta negociação, porém, começaram antes, no dia 5 de julho de 2006. Naquele momento, o grupo se organizava para obter decisão judicial e liberar 900 máquinas caça-níqueis da empresa Betec que haviam sido apreendidas pela polícia. O primeiro contato, segundo a investigação, foi no Tribunal Regional Federal da 2ª região. O desembargador José Eduardo Carreira Alvim, um dos denunciados no esquema, concedeu liminar liberando os equipamentos, mas o Ministério Público Federal recorreu e a decisão foi suspensa.

O grupo, então, protocolou reclamação no STJ, que ficou com o ministro Medina. De acordo com as investigações, o contato com Virgílio foi intermediado pelos empresários Jaime Garcia e Evandro Fonseca, os advogados Sérgio Luzio e Silvério Nery Júnior, os donos da Betec José Renato Ferreira e Belmiro Martins e os donos do bingo Icaraí, José Luiz da Costa Rebello, Licínio Soares e Laurentino Freire, todos presos na operação.

Antes disso, em 7 de julho, às 13h16, numa conversa de 4m34, José Luiz, chamado de Zé, conversa com Sérgio e diz esperar que, no início de agosto, a decisão sobre o caso saia "favorável" e pergunta se será um colegiado ou se Medina pode "dar uma porrada".

Em 9 de julho, Zé tem uma conversa mais reveladora com Sérgio Luzio, de 5min04, sobre o balcão de negócios montado no Judiciário em favor dos contraventores . "O pessoal do escritório (de advocacia de Sérgio) deve analisar se tem um valor de sucesso… se não tem sucesso… se vai ser atendido no amor. Enfim, faz parte do escopo comercial… isso tem seus fundamentos comerciais", afirma. "A gente vai lá, externa o assunto e aguarda o momento deles responderem: olha, o custo é esse. Quem vai encaminhar isso é você, diante de um mais oito (a Betec e mais oito empresas do processo de reclamação que seria julgado por Medina).

Por fim, Zé fala da divisão da partilha de comissões: "Aí a gente acerta aquilo que se conversou, os 30%. Eu abro a porta e digo a você: porra, tá o meu e tá o seu aqui." Sérgio cobra um valor maior: "Porra, bota 50%". Mas o interlocutor rebate: "Não, Sérgio, eu não quero usurpar.

Em 28 de julho 2006, às 14h31, há uma conversa de 2min21 entre Evandro e um homem identificado como Cláudio que relata, em código, conforme os grampos da PF, o resultado da negociação entre Virgílio e o irmão, o ministro Paulo Medina, em torno da decisão. "Eu vou te explicar e vê se você entende. A pessoa (?) esteve lá e conversou com ele (possivelmente Virgílio). Ele disse que esteve com a outra pessoa, a principal (Medina). Ela (Medina) disse o seguinte: `Existe grande chance"… e mandou que ele (Virgílio), o elo entre os dois, fosse a Brasília na quarta-feira que voltava com o resultado", afirmou Cláudio. "Ele (Medina) não falou nem sim, nem não. Mas deu a entender sim.

Em conversa telefônica gravada em 31 de julho, Virgílio fala sobre valores com Sérgio, que reclama de Evandro, outro integrante das negociações: "Se tiver alguma gordura nos honorários, a gente vê isso. É importante que tenha uma transparência, uma conduta ética", declara o advogado. Sérgio diz que "Evandro é uma pessoa complicada".

O irmão do ministro Medina diz que Evandro "pode estar correndo em paralelo, para estourar valores". "Eu até falei: o valor estipulado para a causa é de R$ 1 milhão. Tem um percentual de 20% na frente (entrada). O negócio tem que ser bom pra todo mundo. Todo mundo tem que estar satisfeito. Os advogados têm que correr atrás e quem estiver patrocinando a causa (também) tem que estar satisfeito".

Em 1º de agosto, é Sérgio quem liga para Virgílio. As duas partes discutem a partilha. A conversa durou 6min22. "Falei com o Zé Luiz e ele concordou em tirar da parte deles (a comissão) para o negócio fechar logo e eu divido com o Evandro. Fica a seu critério baixar um pouco, fechando (o valor total) em R$ 900 (mil)", diz Sérgio. Virgílio fala da negociação com Evandro: "Falei com ele e ficou em R$ 800 (mil) em vez de R$ 1 milhão (…) Cheguei em R$ 200 (mil), mais R$ 400 (mil), que seria R$ 600 (mil). Se ele (Evandro) conseguir R$ 900 (mil), fica uma margem (maior) para dividir entre vocês."

De acordo com a investigação, a atuação de Sérgio irritou outra ala do grupo, ligada a Evandro e Jaime, que negociaram com Virgílio o pagamento de R$ 600 mil. Em seus depoimentos, Sérgio Luzio e Virgílio negam a negociação de propinas e declaram que todos os valores discutidos nos grampos referem-se a honorários advocatícios legais.

No dia 15 de agosto, o ministro Medina concedeu liminar liberando as máquinas caça-níqueis, mas a decisão acabou cassada pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie. Nesse meio-tempo, o grupo já se articulava para conseguir no STJ uma decisão favorável no mérito do pedido, para não depender da liminar.

A investigação aponta que os integrantes do esquema se reuniram com Virgílio mais quatro vezes – em 16 de outubro, 10 de novembro, 17 de novembro e 23 de novembro -, mas não houve acordo. "Vamos gastar X aqui, 800 aqui, ali… tem que ter um número, fechou a porta", diz Virgílio, de acordo com escuta de reunião do dia 17 captada pela PF. Após o encontro, agentes localizaram no local do encontro um papel com anotação de três valores: R$ 800 mil, R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão, porcentagens (20% e 8%) e, no verso, dois números (9 mil e mil) e a anotação "10 empresas", além dos nomes de Jaime, Evandro e Licínio.

A reclamação apresentada pelos donos de caça-níqueis acabou rejeitada no próprio STJ em 22 de novembro – com voto do próprio Medina. Mas isso não surpreendeu integrantes do esquema. Em conversa no mesmo dia com o advogado Alexis Costa, Jaime comenta que "o pessoal do MP (Ministério Público) estava fazendo uma pressão muito grande". Integrantes da investigação avaliam que, além disso, já havia suspeitas na corte de que a decisão poderia ter sido negociada.

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