Mea maxima culpa

É tão confortável quanto salutar criticar os desastrados movimentos iniciais do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Sem oposição formal, o PT se engalfinha internamente, exibe sintomas de esquizofrenia e distúrbios de personalidade, “bate cabeça” nos seus próprios projetos, experimenta, recua. Natural para quem foi impiedoso estilingue por mais de vinte anos e, de uma hora para outra, se torna vidraça.

Muito mais difícil porém é olhar para o próprio umbigo, reconhecer qual a nossa responsabilidade nesse esboço de projeto de um País mais justo. Ninguém duvida das boas intenções de Lula e sua equipe, que manifestam um desejo sincero de acertar. Vem daí a atual “malanização” do Ministério da Fazenda petista, que pisa em ovos para não assustar o famigerado “Mercado”, e assim ganhar um pouco de crédito externo. Vêm daí também os “acordos” que o PT empurra goela abaixo do próprio partido em nome da governabilidade, em detrimento das suas históricas convicções. É preciso esperar um pouco para conferir os efeitos dessas concessões, e avaliar se foram acertadas ou não.

Mas, e nós? O que temos feito para construir esse País mais justo? Somos críticos corrosivos de governos, corporações, políticos, empresários, oligarquias e potências imperialistas, todos entidades amorfas e abstratas, longínquas, superiores e indiferentes. E os que estão abaixo de nós? Quantas vezes passamos por cima de mendigos nas calçadas, fechamos o vidro do carro para as crianças nos sinais, suspiramos de tédio quando doentes e miseráveis tentam vender seus adesivos nos ônibus? Quantos de nós pagam o 13.º salário aos nossos empregados domésticos, quantos não usamos de subterfúgios para obter algum tipo de vantagem, como furar uma fila ou recorrer de multas aplicadas de forma justa?

Não que devamos distribuir dinheiro a todos os pedintes ou comprar todos os chicletes nos sinais, mas existem muitas formas de ajudar, centenas de entidades humanitárias, programas de alfabetização, missões em asilos, hospitais e orfanatos. Se tivermos a vontade individual equivalente à “vontade política” que cobramos dos governantes, podemos contribuir com a nossa qualificação profissional, como os arquitetos que se uniram para reformar creches, talento artístico ou mesmo com a simples presença, pois muita gente só precisa ser ouvida.

Também para este que escreve é fácil e confortável apontar a indiferença que nutrimos uns pelos outros. Sou também vítima e agente dessa letargia que nos impede de olhar para o lado. Quando repórter de Cidades, ainda tinha o consolo de vez por outra escrever uma matéria que pudesse ajudar de alguma forma os chamados “excluídos”, produzir a fagulha inicial para corrigir distorções e injustiças, “dar voz para quem não a tem”, como eu sempre dizia. Como jornalista de Cultura, vejo que há um mundo fantasioso e distante, marcado por disputas de egos e campeonatos de vaidade. Parece que nos desligamos da vida real e esquecemos que o mais próximo que a maioria dos brasileiros chega da cultura é quando liga a televisão ou participa de um pagode de boteco nos fins de semana.

Luigi Poniwass (almanaque@parana-online.com.br) é repórter do Almanaque em O Estado.

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