Mar de lama

A primeira vez que se ouviu a expressão ?mar de lama?, pelo menos no passado nem tão recente, foi no governo Getúlio Vargas. Atacado com violência pela oposição, em particular pelo então jornalista e deputado udenista Carlos Lacerda, o velho ex-ditador e na época presidente constitucional viu-se acuado sob denúncias de atos de corrupção ao seu redor, inclusive dentro do Palácio do Catete. O resultado foi trágico. Getúlio suicidou-se, deixando uma carta ao povo brasileiro na qual falou em ?deixar a vida para entrar na história?. A segunda vez foi no governo de Fernando Collor e, aí, o mar de lama engolfava a todo o governo, inclusive e principalmente o próprio presidente. Foi punido com caras pintadas nas ruas e com o impeachment, deixou a Casa da Dinda e foi dourar-se ao sol escaldante de Miami. O povo, numa e noutra ocasião, pagou a conta. Conta de bilhões.

A terceira vez surge agora, ingenuamente lembrada pelo presidente do PT, José Genoino. Ele nega que estejamos vivendo um novo mar de lama, mas cometeu o erro, um ato falho, de lembrar a expressão. E todos sentimos o fedor da corrupção generalizada.

Lula, se culpa tem, provavelmente é por omissão. Chegando ao poder através de seu então partido nanico, o PT, ideológico e programático e com fama de ético, não tinha equipe nem apoio político para governar. Teve de montar uma base parlamentar que fosse circunstancialmente suficiente para a aprovação de suas propostas. E aí entraram malandros de vários partidos políticos, aproveitadores de sempre, ideologicamente opostos ao trabalhismo petista e moralmente discordes de seu expresso puritanismo. Viraram ?companheiros?.

Lula a tudo e a todos aceitou, em nome da governabilidade.

Quando as esquerdas foram derrotadas nas eleições majoritárias francesas, uma líder comunista, em longa crítica, demonstrou que o erro do seu partido tinha sido a renúncia à sua ideologia, os acordos espúrios e tudo fazer para sustentar-se no poder. Foi desmascarado e entregou o ouro ao bandido.

Aqui, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, governista arregimentado por Lula, denunciou que o tesoureiro do PT pagava polpudas mesadas aos deputados federais que aderiram ao governo para dar-lhe maioria parlamentar. Isto acontece quando o governo, flagrada corrupção nos Correios, luta com unhas e dentes para evitar uma CPI, como se quisesse esconder a qualquer custo a verdade e camuflar, com desodorante de segunda categoria, o mau cheiro. Ao mesmo tempo, outros casos de corrupção vão sendo denunciados, nem todos provados, mas com suficientes indícios de verdade e autoria, merecedores de investigações na polícia e no Congresso, pois têm profundas repercussões políticas. Lula e seu grupo não têm mais como evitar a CPI, mesmo que ela se transforme em palanque da oposição.

Lula precisa escancarar as portas do seu governo. A verdade tem de surgir, mesmo e preferentemente com CPI. O cheiro já está insuportável e se um deixou a vida para entrar na história; outro deixou a Casa da Dinda para dourar-se nas praias de Miami, a Lula só restaria voltar aos piquetes das fábricas, o que seria lamentável e um castigo duro demais para quem chegou ao governo com inegáveis boas intenções. Mas, de bem-intencionados o inferno está cheio. Há uma crise política. Há que se evitar a crise institucional.

Voltar ao topo