Manobra tergiversionista

O dicionário não registra o adjetivo tergiversionista. Mas vem de tergiversar. E, seguindo a regra, ele significa uma forma de evadir-se, procurando rodeios ou subterfúgios. É mais ou menos isso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está fazendo ao propor, antes de embarcar para a Europa, na sexta-feira, que o verdadeiro debate sobre os juros altos não deve crucificar o governo e, sim, a ordem bancária. Lula imagina que se todos os juros praticados no País fossem iguais às taxas básicas fixadas pelo governo teríamos fila de dar a volta no planeta, tamanho o número de pessoas interessadas. Bobagem. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Ou, melhor, os juros praticados pelo mercado oscilam em função dos sinais emitidos pelo governo. Sempre foi assim e assim será.

Diria Nelson Rodrigues, se vivo fosse, que a saída encontrada pelo governo para se esquivar do debate mais incômodo até aqui enfrentado é como um “arranco vitorioso de um cachorro atropelado”. Além de Lula, vieram à cena outros agentes do governo em atropelos, do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ao ministro sem pasta da Segurança Alimentar, José Graziano. Meirelles, para dizer que não existe o tal saco de maldades na manutenção dos juros altos; Graziano, para atacar “o monopólio de crédito que existe no País”. “Se o governo baixar 0,5 ponto (na taxa dos juros básicos) ninguém vai sentir isso no bolso”, disse Graziano.

Pode até ser. Mas se o governo baixar a taxa Selic – campanha que a cada dia ganha novos adeptos dentro das próprias hostes petistas – os ditos mercados tomarão isso como um sinal. E certamente a usura dos bancos privados haverá de perder esse diabólico apetite que, no caso dos cheques especiais, chega a 209% ao ano e nos cartões de crédito sobe para 232% anuais.

É absurdo, sim. Mas a Receita Federal não recebe nenhum tributo parcelado ou atrasado se os valores não forem corrigidos pela taxa Selic, o que contraria os ensinamentos de Meirelles, que condena o comportamento dos agentes formadores de preço por olharem a inflação passada e não aquela futura. Ninguém é trouxa. Se o governo olha, por qual motivo os outros não devem olhar? Quem, no caso, está puxando essa “inércia inflacionária” que não esquece de cobrar pelos trocados desvalorizados para garantir-se da corrosão da moeda que um dia lhe fazia a festa?

A conhecida facilidade de Lula na criação de lendas e parábolas (outro dia comparou nossa economia a uma bicicleta ergométrica, onde se pedala, pedala, e não se sai do lugar) não tem nenhum efeito prático nessa história dos juros. Até porque se não fosse assim, o Copom não estaria resistindo, sob fogo cruzado de políticos, empresários e economistas de todos os naipes, insatisfeitos com a “excessiva dose de remédio” aplicada pelo doutor Palocci. Lula sabe que a usura está instalada no Brasil, faz tempo, e sabe também que seu governo embarcou nessa canoa. Terá que achar um jeito de pular fora, antes que ela o transporte para águas muito profundas. Não adianta retomar o velho discurso que o notabilizou de apenas criticar banqueiros. Agora ele tem o poder. Produzir, gerar empregos, fazer a economia girar não é nem nunca foi atributo dos mercados especulativos.

“É para isso – repete Lula – que fui eleito e é isso que eu quero fazer” (voltar a crescer, gerar emprego e ter distribuição de renda… Lembra?). Entre a vontade política que dizia inexistir em seu antecessor e a prática até aqui verificada foi um abismo. Devemos aguardar até quando para que as promessas realizadas em campanha, e que continuam a ser repetidas agora, se concretizem?

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