Londres, Paris & Macondo

O historiador britânico Eric Hobsbawm nasceu no ano da Revolução Russa e viveu os principais dilemas da esquerda mundial, até sua quase derrocada nos anos 90. Tudo isso ele resume em sua autobiografia, chamada Tempos interessantes. Ao contrário de muitos europeus, o veterano historiador põe a América Latina no mapa mundial da esquerda, tem um chaveiro do PT e destaca a opressiva e cada vez mais forte presença americana na região.

Hobsbawm é de um time de intelectuais ingleses de esquerda que gravitaram em torno do partido comunista, mas evitaram o botulismo stalinista, produziram algo mais sério e duradouro que a propaganda ideológica e se tornaram grandes historiadores. Como ele, mencionam-se Raymond Wil-liams, autor do admirável e erudito O campo e a cidade e E. P. Thompson, do clássico a formação da classe operária inglesa, entre outros.

Hobsbawm é do tempo que Paris era o centro do mundo e fala desta cidade com afeição, afinal a França faz parte de sua vida intelectual há setenta anos. Até os anos 60, qualquer pessoa culta na Europa e boa parte do mundo tinha de saber falar um segundo idioma, e era o francês. Era quase impossível ser culto sem saber francês. Hoje é perfeitamente possível saber inglês e ser um tapado.

Por estar relacionada com atmosfera cultural, não há cidade mais reverenciada por escritores que Paris. De Hemingway e o antológico Paris é uma festa, a John dos Passos, Scott Fitzgerald, George Orwell, há sempre uma boa história sobre esta cidade, ainda a mais cosmopolita do mundo. Hobsbawm salta na América Latina. Não há novidade no que ele escreve sobre a tendência de nosso continente ao surrealismo. Mas ao resumir o nosso caráter em praticamente um parágrafo, permite a que nos demos conta do quanto diferente somos do resto do mundo, do quanto estranhos somos e também da força mágica de nossos povos.

Ele evoca o emblemático povoado de Macondo, criado por Garcia Marquez em Cem Anos de solidão, como a nossa síntese. E diz que em nenhum outro lugar do mundo a realidade se apresenta tão implausível quanto aqui. As soluções são sempre inesperadas e fantásticas. E enumera casos: de líderes de direita inspirarem movimentos operários, como no Brasil e Argentina; de ideólogos fascistas se juntarem a um sindicato mineiro de esquerda para uma revolução agrária de camponeses, na Bolívia.

E não pára aí. A região tem o único país a abolir efetivamente o exército, a Costa Rica. E também um estranho partido, no México, chamado Revolucionário Institucional, notoriamente corrupto, que recruta sistematicamente para os seus quadros os estudantes mais radicais do país. E foi na América Latina que imigrantes de primeira geração, vindos do Terceiro Mundo, tornaram-se presidentes. E onde, contrariando regra no mundo ocidental, de árabes, para horror destes, chamados de turcos, tenderem a ser mais bem sucedidos que judeus.

É estranho se ver no espelho. Depois de ler uma coisa dessas é impossível se espantar com o fato de os mais radicais opositores da política econômica de FHC serem hoje os seus mais fiéis executores. Isso é parte de nosso realismo fantástico. Como mostraremos ao mundo que, além de bizarros, podemos ser eficientes e chegarmos a um desenvolvimento social justo, já é outra história.

Edilson Pereira

(edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado.

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