Ligação indissolúvel

Para o presidente do PT, José Genoino, a relação entre o partido, o presidente Lula e os candidatos petistas é indissolúvel. Por isso, nada mais natural que o mais alto magistrado da nação compareça e peça voto para companheiros em inaugurações promovidas com dinheiro público nessa temporada eleitoral por candidatos a prefeito pela agremiação política da estrela.

O debate, focado inicialmente sobre a capital do Estado de São Paulo, onde se trava uma espécie de terceiro turno ou – como melhor já foi dito – uma prévia das próximas eleições presidenciais, tem a ver com o resto do País. Depois espraiou-se para outras localidades. Afinal, Lula é o presidente de todos os brasileiros e, a princípio, não governa apenas para os militantes de sua antiga legenda. A premissa, naturalmente, vale para os governos de qualquer nível.

Daí porque o debate – a princípio restrito à cupidez eleitoral dos candidatos e partidos envolvidos na disputa – é válido. E necessário. Ele atende à simples pergunta se pode ou não, se deve ou não, o presidente da República travestir-se de cabo eleitoral em inaugurações ou vistorias de obras financiadas pelo governo federal (acrescentaríamos, por qualquer governo, já que federais, estaduais, ou municipais, as verbas são sempre públicas).

A legislação proíbe o uso da máquina oficial em benefício deste ou daquele candidato. Ponto. E não aceita dissimulações. A princípio, portanto, quando Lula sobe no palanque inaugural na condição de presidente e pede o voto para correligionários seus, como vem pedindo, comete crime eleitoral explícito a que referem os partidos de oposição. E em nada atenua o erro presidencial aqueles argumentos levantados pelo Planalto, segundo os quais os governadores dos partidos oposicionistas (como, por exemplo, o de São Paulo) estariam fazendo o mesmo. Se fazem o mesmo em São Paulo, Paraná ou alhures, erram igualmente.

Como é público e notório, não é apenas o presidente que está engajado na batalha campal em que já se transformaram essas eleições municipais. Diversos ministros de Estado, José Dirceu, da Casa Civil à frente, arregaçaram as mangas e entraram em campo. O PT quer aproveitar a maré e alargar seus domínios em todas as fronteiras, o que é legítimo e compreensível. Mas não é legítimo, nem compreensível, nem tampouco ético que o faça ao arrepio da lei – a mesma lei de cujos princípios até ontem era um dos guardiões mais atentos. E aqui não vale a máxima esgrimida pelo próprio presidente Lula – a da “metamorfose ambulante” – segundo a qual o que se fazia ontem necessariamente não precisa ser feito hoje, como pode não ser feito amanhã.

O homem, com efeito, tem o direito de mudar conceitos, idéias, corrigir rumos, escolher novas estradas. Mas não será porque o PT hoje está no poder que a legislação vigente tenha que ser revista ou reinterpretada. Foi assim que, já no episódio da liberação de verbas para obras sabidamente eleitoreiras, a Justiça brasileira mandou o governo fechar as burras para projetos que não tivessem ainda sido começados fisicamente. Foi assim também que a Justiça mandou suspender, no Rio de Janeiro, a entrega de cartões do Bolsa-Família, que estavam sendo usados eleitoreiramente. No bojo da provocação feita ao Ministério Público por alguns partidos, o presidente Lula corre o risco de nova chamada de atenção por parte da Justiça.

Antes de condenar “a gritaria” dos tucanos, José Genoino deveria rever a antiga gritaria sempre levantada pelo PT em casos semelhantes. O maior patrimônio do partido sempre foram os elevados compromissos éticos que agora, infelizmente, são atirados ao solo com tanta facilidade e desfaçatez. A ligação de Lula com velhos companheiros de luta pode ser indissolúvel. Mas por ser assim tão estreita, ainda não justifica o que está sendo chamado de um grave “desvio de conduta”. Um desvio que independe do fato de a presença presidencial em palanque vir a ajudar ou atrapalhar os candidatos. O que está em jogo é a legalidade de uma atitude, não a conseqüência dela.

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