Liberdade provisória e progressão de regime nos crimes hediondos

Liberdade provisória: a Lei 8.072/1990, em sua redação original, proibia (em relação aos crimes hediondos e equiparados) tanto a fiança quanto a liberdade provisória. Por força da nova lei (Lei 11.464/2007) foi eliminada esta última proibição. Em outras palavras: cabe, doravante, liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados. Cuidando-se de norma processual com reflexos penais e benéfica, não há dúvida que retroage (para alcançar fatos ocorridos antes dela).

Os constitucionalistas (intérpretes e juízes adeptos do Estado constitucional e humanitário de Direito) já não viam nenhum sentido na proibição retro citada. Os legalistas (corrente que adota a interpretação seca da lei) já não podem sustentar a impossibilidade de liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados. Na prática isso significa o seguinte: quando o sujeito é preso em flagrante por um desses delitos, antes, não podia ser posto em liberdade durante o andamento do processo; agora pode (quando o juiz entender que for o caso). Quem manda em matéria de prisão ou liberdade, em síntese, é o juiz, que analisa o caso concreto com todas as suas peculiaridades (não o legislador com seus critérios abstratos).

Progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados: o § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990 dizia que a pena (nesses casos) seria cumprida integralmente em regime fechado. Por força da nova redação dada ao mesmo § 1.º a pena será cumprida inicialmente em regime fechado. Ou seja: o novo diploma legal veio permitir progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados. Aliás, no que diz respeito à tortura, isso já estava assegurado pela Lei 9.455/1997. A Súmula 698 do STF, entretanto, proibia a progressão em relação aos demais crimes hediondos. Ela acaba de perder sua eficácia (diante da Lei 11.464/2007).

Tempo diferenciado de cumprimento da pena: o § 2.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990, introduzido pela Lei 11.464/2007, para a progressão de regime exige, nos crimes hediondos e equiparados, o cumprimento (diferenciado) de 2/5 da pena (40%), se o apenado for primário, e de 3/5 (60%), se reincidente. Antes, a única regra geral sobre o assunto era o art. 112 da Lei de Execução Penal (que fala em 1/6 da pena). Essa regra geral continua vigente e válida para todas as situações de progressão, ressalvados os crimes hediondos e equiparados, que se acham (agora) regidos por regra especial (princípio da especialidade). Lei especial, como se sabe, afasta a regra geral.

Crimes ocorridos a partir do dia 29/3/07: a Lei 11.464/2007 foi publicada dia 29/3/07. Entrou em vigor nessa mesma data. Cuidando-se de norma processual penal com reflexos penais, em sua parte prejudicial (novatio legis in peius) só vale para delitos ocorridos de 29/3/07 em diante. Em outras palavras: o tempo diferenciado de cumprimento da pena para o efeito da progressão (2/5 ou 3/5) só tem incidência nos crimes praticados a partir do primeiro segundo do dia 29/3/07.

Crimes ocorridos antes de 29/3/07: quanto aos crimes ocorridos até o dia 28/3/07 reina a regra geral do art. 112 da LEP (exigência de apenas um sexto da pena, para o efeito da progressão de regime). Aliás é dessa maneira que uma grande parcela da Justiça brasileira (juízes constitucionalistas) já estava atuando, por força da declaração de inconstitucionalidade do antigo § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990, levada a cabo pelo Pleno do STF, no HC 82.959. Na prática isso significava o seguinte: o § 1.º citado continuava vigente, mas já não era válido. Os juízes e tribunais constitucionalistas já admitiam a progressão de regime nos crimes hediondos, mesmo antes do advento da Lei 11.464/2007.

Retroatividade da parte benéfica da nova lei: a lei que acaba de ser mencionada passou a (expressamente) admitir a progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados. Nessa parte, como se vê, é uma lei retroativa (porque benéfica). Desse modo, todos os crimes citados passam a admitir progressão de regime (os posteriores e os anteriores à lei nova). Até mesmo os legalistas veriam absurdo incomensurável na impossibilidade de progressão de regime nos crimes anteriores. Quando uma lei nova traz algum benefício para o réu, ela é retroativa.

Mas qual é o tempo de cumprimento de pena em relação a esses crimes ocorridos antes da lei nova? Só pode ser o geral (LEP, art. 112, um sexto). Não se pode fazer retroagir a parte maléfica da lei nova (que exige maior tempo de cumprimento da pena para o efeito da progressão).

Combinação de duas leis penais: o que acaba de ser dito nos conduz a admitir a combinação de duas leis: a nova retroage na parte benéfica (que admite progressão de regime) enquanto a antiga segue regendo o tempo de cumprimento da pena (um sexto). A combinação de duas leis penais não significa que o juiz esteja criando uma terceira. O juiz, no caso, não inventa nada (não cria nada): aplica somente o que o legislador aprovou (uma parte da lei nova e outra da antiga).

Pertinência da Recl. 4335 assim como de eventual súmula vinculante: alguns juízes legalistas não estavam reconhecendo força vinculante para a decisão do STF proferida no HC 82.959. Na reclamação 4335 o Min. Gilmar Mendes propôs então ao Pleno o enfrentamento da questão. Houve pedido de vista do Min. Eros Grau. Em razão de todas as polêmicas que a decisão do STF gerou (HC 82.959), continua válida a preocupação do Min. Gilmar Mendes (em relação aos crimes anteriores a 29/3/07). Aliás, também seria aconselhável a edição de uma eventual súmula vinculante sobre a matéria.

O STF, de alguma maneira, tem que deixar claro que seu posicionamento (adotado no HC 82.959) tinha (e tem) eficácia erga omnes. Isso significa respeitar o princípio da igualdade (tratar todos os iguais igualmente) assim como banir (do mundo jurídico) todas as polêmicas sobre o cabimento de progressão em relação aos crimes ocorridos antes de 29/3/07. Para nós, como já afirmado, não só é cabível a progressão de regime nesses crimes (nos termos do HC 82.959, que possui efeito erga omnes), como eles são regidos pelo art. 112 da LEP (um sexto da pena). A tempo (diferenciado) exigido pela nova lei só vale para crimes ocorridos de 29/3/07 para frente. Outras questões (exame criminológico, limite temporal de trinta anos, segunda progressão etc.) serão cuidadas no artigo seguinte a esse.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito penal pela USP, secretário-Geral do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal, consultor e parecerista, fundador e presidente da Rede LFG Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – 1.ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina – Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais ? www.lfg.com.br

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