Lei para quê?

O tema do momento é a violência. Todos a temem. Alguns poucos querem acabar, como num passe de mágica, com esse câncer social que a todos atormenta. Os remédios milagrosos anunciados pelos oportunistas de plantão são as penas mais severas. Cadeia. Cadeia e mais cadeia.

A população, intimidada pelo terror estatal, deposita suas esperanças nos messias. Iludida e desesperançada se agarra nos discursos popularescos e eleitoreiros, sem saber que serão as próximas vítimas do sistema.

Nessa situação de pânico, o Congresso Nacional pretende Å de cambulhada e nos intervalos das votações das reformas previdenciária e tributária Å sem qualquer zelo científico e debates com a sociedade civil (que falta você nos faz, Faoro) e estudiosos, legislar sobre matéria penal. As propostas de hoje, iguais às de ontem e em nada diferentes das de anteontem, são marcadas pelo ódio e irracionalidade. Já temos leis. Leis até demais. Basta que elas sejam cumpridas, sem qualquer violação aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição, um dia chamada de Cidadã.

A criminalidade é um fenômeno social fruto da omissão e da incompetência do Poder Público. O Brasil, vitimado pela desigualdade social, há de fazer uma política séria e ininterrupta de segurança. Há de haver investimento na polícia, no Judiciário e no Ministério Público. Urge ser instalada, em todos os estados, a Defensoria Pública, instituição que permitirá aos desafortunados o pleno exercício da cidadania, único jeito de diminuir o fosso que separa os que tudo têm dos que nada têm (e, Oxalá permita, um dia ainda terão).

O rigor penal, nascido sob o manto da vingança, não reduzirá a criminalidade. Ao contrário, a alimentará. Criminalidade e inflação não são resolvidos com lei. Se assim fosse, teríamos inventado a roda. Criminalidade e inflação não são eliminadas, são controladas.

Por estas razões, juristas, advogados, juízes, membros do Ministério Público, professores de direito, estudantes, etc. se uniram e fundaram o Movimento Antiterror, que tem como finalidade “a organização de idéias para um plano nacional de reação intelectual de trabalhadores e estudiosos das aludidas ciências [penal, processual penal e criminologia] contra determinados projetos em tramitação de urgência no Congresso Nacional e que mutilam princípios e regras do sistema criminal vigente em favor de uma legislação de pânico. Ao fundo dessa escalada que procura combater a violência do crime com a violência da lei, recrudesce o discurso político e se aviventam os rumos na direção de um direito penal do terror”.

O movimento, cujo patrono é o professor Goffedro da Silva Telles Jr., surgiu em meados de abril e já conta com a participação de quase trezentos membros e com o apoio de instituições de prestígio nacional e internacional, tais como: AIDP (Associação Internacional de Direito Penal), IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), ICC (Instituto Carioca de Criminologia), ITEC (Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais), IHJ (Instituto de Hermenêutica Jurídica), ICP/MG (Instituto de Ciências Penais de Minas Gerais), Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, Curso de Especialização em Advocacia Criminal da UCAM (RJ/PR), ESDC (Escola Superior de Direito Constitucional de São Paulo), IELF (Instituto de Ensino Jurídico Luiz Flávio Gomes), ICPC (Instituto de Criminologia e Política Criminal/PR), APESP (Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo), AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) e Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo.

O ministro da Justiça, doutor Márcio Thomaz Bastos, em reunião com seus fundadores, fez questão de consignar seu apoio, afirmando “que se não estivesse ministro, por certo estaria integrando o movimento contra as leis de pânico”. O manifesto do movimento já lhe foi entregue, tendo sido registrado que “é possível ser duro com a criminalidade e radical na preservação de direitos e garantias individuais”.

Na próxima semana, nas centenárias arcadas da universidade do Largo de São Francisco (USP), haverá a leitura da Carta de Princípios do Movimento Antiterror, onde diremos, em alto e bom tom, irmanados com os estudantes, que a “função do Direito Penal é evitar a vingança privada e a vingança pública”. Diremos mais. Diremos, como disse o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mello, ser necessário que “busquemos as causas, não os efeitos.”

Enfim, fazendo eco ao mestre Evandro Lins e Silva (como estamos sentindo sua falta), “salvemos o homem, enquanto é tempo, antes que seja tarde demais”.

Luís Guilherme Vieira

é advogado e presidente do Movimento Antiterror.

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