Lei de Licitações, lacunas e avanços

Os projetos que alteram a Lei 8666/93, que dispõe sobre compras públicas através de contratos administrativos e licitações, precisam ainda passar por alterações para melhorar a aplicação de seus dispositivos. A proposta de autoria do Executivo foi recentemente aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça com as emendas parlamentares, mas ainda carece de atenção para evitar incongruências em sua aplicação.

A inovação mais importante no PL é a possibilidade de inversão de fases em qualquer modalidade de licitação, revigorando as demais modalidades que vinham sendo agressivamente substituídas pelo Pregão – simplesmente porque este tem as fases invertidas -, onde primeiro se verifica o vencedor pelo preço e depois se verifica as condições de habilitação apenas deste vencedor e não dos demais licitantes. Nesse ponto, os idealizadores do projeto acertaram em cheio, mas não tiveram a mesma precisão na mesma medida da ampliação da transparência dos processos.

O texto inicial do PL, em seu artigo 16, determina maior transparência na divulgação das licitações, o que é um ponto positivo. Mas não traz especificações para auxiliar a transparência e a fiscalização da gestão de compras do Estado, especialmente quanto à fundamentação da compra com a análise de custo/benefício, custo/efetividade e retorno do investimento para os administrados. Em tese, tais considerações deveriam estar contempladas na obrigatoriedade de divulgação na internet, sendo disponibilizadas a todas as pessoas que buscam informações sobre as compras públicas.

Nesse sentido, outro ponto que também merece atenção é a possibilidade de a Administração Pública dispensar a publicação de seus editais no Diário Oficial. Segundo o projeto de lei, a divulgação pode ser feita através de sistemas eletrônicos disponibilizado na internet. Infelizmente, ainda hoje nem todas as cidades do Brasil estão informatizadas, o que na prática tornaria impossível o cumprimento do novo dispositivo.

No art. 20 do PL, § 2.º, exige-se a certificação das empresas pela ICP Brasil (Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira). Se for aplicada pelos municípios menos desenvolvidos, essa exigência pode retardar o movimento de implementação das licitações, acarretando morosidade ao procedimento. Já o § 4.º do mesmo art. 20 deveria possibilitar que não só órgãos de fiscalização, mas toda a sociedade civil tivesse acesso às informações do processo mediante simples requerimento. Esse tipo de medida serviria para aumentar a transparência dos processos e uma fiscalização mais contundente dos órgãos públicos e dos licitantes.

Também merece atenção o dispositivo que impede empresas de participarem em processos licitatórios quando comprovado que seus diretores e gerentes tiveram problemas com a administração pública. Embora sustentável no campo moral em algumas situações de fraudadores contumazes de licitações, a iniciativa fere o direito de defesa pessoal dos dirigentes empresariais que não estão envolvidos em processos licitatórios fraudulentos. Isso porque responsabiliza indiscriminadamente os diretores por erros nem sempre dolosos das pessoas jurídicas que muitas vezes exercem funções desconectadas das licitações públicas.

Do texto original enviado pelo Poder Executivo, merece crítica a iniciativa de reduzir o prazo para a interposição de recurso administrativo, que passa de cinco para dois dias. Sob o argumento de agilizar os procedimentos, o PL retira dos licitantes a possibilidade de questionar os vícios nas licitações. Além de inviabilizar a defesa em licitações de alta complexidade, o dispositivo configura afronta ao art. 5, inc. LV, da Constituição Federal do Brasil, que assegura a ampla defesa de quem quer seja. Afinal, não é por causa de três dias a mais que os processos licitatórios nacionais se arrastarem.

Com as emendas sugeridas pelo Senado Federal, o projeto de lei possibilitará a realização de Pregão Internacional, adoção obrigatória desta modalidade quando a licitação for do tipo menor preço e sua utilização em algumas obras de engenharia. No primeiro ponto, adotar licitação internacional na modalidade Pregão, ao invés de trazer maior competitividade, poderá criar problemas de interação entre o licitante estrangeiro e o órgão promotor do certame em decorrência da celeridade do procedimento, prazos exíguos de interposição de recurso. Isso pode atrasar ou embolar o procedimento, prejudicando o licitante nacional e o próprio órgão público, que teria interesse na participação de estrangeiros no certame.

A obrigatoriedade de se adotar a modalidade Pregão sempre que o tipo da licitação for menor preço é, na verdade, incongruente com a própria definição da modalidade, já que o Pregão é uma modalidade utilizada para a contratação de bens e serviços comuns. Com a nova disposição, ele poderá ser utilizado mesmo que o bem, ou serviço, não seja comum. Simplesmente bastará que seja passível de contratação por menor preço, ainda que se trate de produto ou serviço de natureza complexa ou alto valor que mereça um maior cuidado na seleção do fornecedoradequado e confiável.

Além disso, não faz mais sentido à imposição de Pregão. Seu maior benefício, que é a inversão de fases do certame, agora foi estendido a todas as modalidades de licitação.

Se há interesse real em aprovar mudanças na Lei de Licitação, o governo deve ampliar o debate em torno das novas regras que pretende aprovar para acelerar o crescimento do país, bem como demonstrar claramente como fará para que a Lei em vigor e suas alterações sejam efetivamente cumpridas em todos os níveis da administração pública. O projeto do Executivo altera pontos que não são tão relevantes no processo licitatório e é tímido quanto a outros que poderiam realmente trazer transparência para estes processos. E a sociedade não pode ficar alheia a toda essa discussão, porque no afinal é ela quem paga a conta de uma compra mal feita.

Rodrigo Correia da Silva e Itamar de Carvalho Júnior são advogados das áreas de Direito Administrativo.

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