Lei de Crimes Hediondos: mudança ou remendo?

Dentro de um conceito simples, “crime hediondo é aquela conduta criminosa extrema que causa séria repulsa e horror no seio da sociedade”.

Tal conceito surgiu no final da década de 80 e, o famoso caso de seqüestro do empresário Abílio Diniz ensejou o surgimento dessa modalidade, possibilitando desde aquela época as prisões temporárias e, com a Lei n.º 8.072/90, instituiu-se a Lei de Crimes Hediondos, classificando dentre essas condutas o seqüestro, latrocínio, estupro e outros, sendo a tortura e tráfico de drogas por equiparação. Em 1994, através da Lei n.º 8.930 houve alterações, incluindo-se o homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio e o qualificado. Teve papel importante o caso Daniela Perez, que ganhou notoriedade no País.

Com esses casuísmos, o legislador procurou dar uma resposta ao clamor público, trazendo sérias contradições ao sistema jurídico, carecendo da interpretação judicial quanto a sua constitucionalidade (ofensa ao princípio da progressividade da pena, desigualdade, e ferindo o princípio da individualização da pena). Somente no ano de 1995, o Supremo Tribunal Federal, através do então relator Ministro Francisco Rezek e, mais tarde, em 1996, através do Ministro Sidney Sanches decidiu que não havia inconstitucionalidade.

Com isso, o enquadramento típico nessas condutas foi grande, e muitos criminosos estão apenados nessa famigerada lei, constituindo uma massa carcerária permanente no sistema.

Desde que assumiu, o novo Governo Federal, através do Ministério da Justiça vem estudando a questão penitenciária e o tratamento penal. Obviamente, chegou à conclusão de que melhorar o Sistema é muito dispendioso e construir novas unidades prisionais, nem pensar, uma vez que a prioridade é o sistema econômico, atrelado aos credores internacionais.

Fez as contas e encontrou mais de 30% da massa carcerária condenada e enquadrada em conduta hedionda e, num universo de mais de 300 mil presos encarcerados a nível nacional, é uma tentação não colocar nas ruas parte dessa massa a custo zero. Descobrimos a América, porque ninguém pensou nisso? Afirmam os inteligentes do alto de sua arrogância.

Porém, a questão não é tão simples e, o enfoque está sendo colocado de forma equivocada, porque o Poder Público (Executivo) não se preocupou em investir na recuperação do encarcerado, em colocar em prática, a nível nacional, a Lei de Execuções Penais. Vigora, ainda, o princípio retributivo da pena e, na maioria dos Estados Federados, o tratamento penal é inexistente, ou seja, não há qualquer tipo de assistência, tratamento, desenvolvimento de trabalho, estudo e assistência religiosa. Logo, não há de se falar em ressocialização ou reinserção no seio da sociedade. Basta consultarmos os índices de reincidência criminal nacional, com mais de 60% de condenados que voltam a delinqüir. O tratamento penal é falho e, aqueles que praticam crimes de maior “repulsa social”, por serem condutas de maior gravidade, tem diminuída a sua capacidade de ressocialização.

Por outro lado, aguarda-se um novo pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, criando-se uma expectativa muito grande na sociedade e, especialmente nas massas carcerárias que, em caso de ser revista a posição, deverão pleitear milhares de pedidos de benefícios, pouco importando se estão tratados adequadamente ou recuperados para a reinserção social.

A Corte disse, anteriormente, que a norma não ofendia o princípio constitucional de individualização da pena, um novo posicionamento poderá favorecer o argumento do Governo.

Porém, acreditamos que o Ministro de menor “saber jurídico” conhece a fundo o direito dos “etruscos e dos visigodos”.

N’outro turno, ressalte-se que em momento algum a sociedade foi chamada para discutir a alteração das normas vigentes, nem os Juízes e outros operadores do Direito.

Tal mudança apressada pode implicar nas seguintes situações:

1.º traficantes, latrocidas e estupradores respondendo em liberdade pela prática de seus delitos, bastando que sejam primários;

2.º direito à progressão de regime, com possibilidade de fuga da Colônia Penal, igualmente aos crimes comuns;

3.º livramento condicional da mesma forma dos crimes comuns;

4.º perdão total ou parcial de seus crimes odiosos, da mesma forma que os condenados pela prática comum.

Colocar nas ruas gente sem tratamento algum “é um tiro no pé”, uma vez que os aparatos de segurança deverão ser aumentados ainda mais para conter a possibilidade de aumento nos índices de reincidência, sem contar com as indenizações que o Poder Público deverá arcar.

Outro “Canto da Sereia” que o Governo Federal quer nos aplicar é com o estabelecimento de pena alternativa aos crimes hediondos ou de maior potencial lesivo. É claro que o sistema de penas alternativas precisa de aprimoramento, porém não se admite que o apenado por latrocínio, estupro e tráfico de drogas venha prestar serviços comunitários em escolas ou asilos, bem como pague cestas básicas em troca da prisão corporal.

Concluindo, temos que admitir que a norma vigente precisa ser modificada e, observamos que existe a necessidade de que o apenado venha galgar outros degraus na sua pena, possibilitando-se, então, a progressão de regime, todavia, com um período maior de prova, quem sabe em 1/3, desde que receba tratamento penal adequado. Também o livramento condicional pode ser reduzido para a metade, desde que presentes os requisitos do bom comportamento e tratamento eficaz.

Somos contrários à posição simplista que não pensa em investir no sistema, e sim economizar, colocando milhares de apenados nas ruas sem um tratamento adequado, como se a questão fosse de caráter econômico apenas. Investem contra o Poder Judiciário, com a concordância inclusive de alguns Ministros, aduzindo que este é o responsável pela morosidade do sistema processual e pela impunidade gerada pela deficiência dos aparatos policiais, bem como pela não ressocialização dos apenados.

Já dizia o ditado, “para um bom entendedor, meia-palavra basta” e, “pior cego é aquele que não quer enxergar”.

Tranquem bem as suas residências, zelem pelos filhos, esposa e parentes, ou pagarão o preço de acreditarem em fábulas e encantamentos.

Roberto Antonio Massaro

é juiz de Direito Titular em Curitiba.

Voltar ao topo