Juiz britânico considera crime o ‘fogo amigo’ americano

Um juiz investigador britânico considerou nesta sexta-feira (16) que o bombardeio por parte de dois pilotos americanos contra blindados britânicos na guerra do Iraque que matou um soldado da Grã-Bretanha foi um "ato criminoso". A decisão anunciada hoje não tem conseqüências jurídicas, mas conclui um caso de "fogo amigo" que estremeceu as relações entre Washington e Londres. "Fogo amigo" é o jargão usado pelos militares em referência a episódios nos quais soldados confundem aliados com inimigos em campos de batalha.

Juízes investigadores também podem recomendar a abertura de investigações criminais, o que poderia resultar em processos por homicídio culposo ou doloso contra os pilotos americanos. Entretanto, a viúva do soldado britânico já anunciou que não buscará acusações criminais contra os pilotos.

"Não me parece que tenha sido um caso de erro honesto", avaliou Andrew Walker, juiz investigador assistente de Oxfordshire, que criticou o Exército dos Estados Unidos de não ter cooperado com as investigações por recusar-se a fornecer informações e acesso a testemunhas. "Certamente, discordamos", reagiu um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Sean McCormack. "Não concordamos com a caracterização de que tratou-se de um ato criminoso".

O vídeo da cabine do piloto do caça americano vazou para a imprensa. No ataque, ocorrido em 28 de março de 2003, dois pilotos americanos aparentemente confundiram um comboio britânico com uma caravana rebelde. O cabo britânico Matty Hull, de 25 anos, morreu e quatro soldados da Grã-Bretanha ficaram feridos. O cabo Stuart Matthews, um dos controladores de tráfego terrestre, disse que em nenhum momento foi dada autorização para que os pilotos americanos atirassem.

O Exército dos EUA recusou-se a revelar quais foram as orientações de engajamento dadas aos pilotos na ocasião, o que ajudaria a esclarecer quais eram as diretrizes seguidas pelos responsáveis pelo bombardeio. "O ataque ao comboio remete a agressão", concluiu Walker. "O ataque foi ilegal porque não havia nenhum motivo legal para tal e, dessa forma, foi um ato criminoso", decidiu.

Ainda de acordo com o juiz investigador, "não há evidências de que os pilotos tenham agido em legítima defesa". O Departamento de Defesa dos Estados Unidos enviou condolências à família de Hull. Uma investigação militar americana concluiu que o episódio de "fogo amigo" foi acidental, mas os detalhes da investigação nunca foram tornados públicos. De acordo com Walker, o piloto que promoveu os disparos agiu à margem da lei porque "não identificou adequadamente os veículos e não buscou autorização para abrir fogo". A decisão de "homicídio ilegal" é a mais grave conclusão à qual Walker poderia chegar.

O juiz investigador não explicou os motivos pelos quais acredita que o bombardeio não tenha sido acidental nem qual seria o possível motivo para que os pilotos americanos atacassem deliberadamente os britânicos. Walker qualificou como "espantosa" a falta de colaboração do comando militar americano. As Forças Armadas dos Estados Unidos recusaram-se a entregar evidências e em diversas ocasiões negaram pedidos para que a gravação da cabine do piloto fosse entregue aos investigadores britânicos.

A gravação acabou vazando para um jornal britânico e rodou o mundo. Na fita, ao perceber que um comboio aliado fora bombardeado, um dos pilotos diz: "estamos na cadeia, cara". Na gravação, um dos pilotos também identifica sinais alaranjados no topo dos carros e diz que se pareciam com foguetes. Mas as marcas alaranjadas são usadas rotineiramente para identificar forças aliadas no Iraque.

Voltar ao topo