Intervenção contranitente…

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) fez divulgar uma relação de nomes de candidatos a prefeito e vice que, que denominou “ficha suja”, que têm contra suas pessoas procedimentos judiciais. Quem lança campanha pública colhe manifestações que contribuem ao aprimoramento da idéia em debate. Discordo da iniciativa por razões lógicas que decorrem da essência do nosso sistema.
O pretenso objetivo de “conscientizar eleitores brasileiros”, derivará em efeito contrário e desinformará o eleitor. Não basta divulgar notícia da existência de um “protocolo judicial”, sem qualquer certeza ou sem julgamento definitivo. E as razões defensivas constantes dos respectivos processos estão disponíveis para análise do eleitor?

O compromisso do juiz é com a legalidade. Para deixá-lo a salvo de dependências de simpatias ou antipatias populares, nosso sistema lhe reservou o ingresso na carreira via concurso público. Grande parcela da comunidade jurídica e política nacional está com dificuldade para assimilar a iniciativa, por contrariar princípios constitucionais da não culpabilidade ou presunção de inocência, inviolabilidade da intimidade e da honra das pessoas, etc. Não se pode perder de vista os fundamentos do voto do ministro Ari Pargendler que, amparado na Constituição, solidificou entendimento contrário ao que agora pratica e sustenta a Associação dos Magistrados. Mesmo em casos de menor relevância, vigoram tais fundamentos para amparar decisões judiciais no sentido de impedir que empresas ou entidades de proteção ao crédito façam incluir nomes de devedores em listas negativadoras! O mais grave é que não se aguardou sequer o enfrentamento, em breve, da matéria pelos Ministros do STF. O mais provável é que a nossa Suprema Corte reafirme o que está na Constituição Federal!

A impetuosa inovação projeta nuvens negras no horizonte. Acima de tudo para magistrados, cultores da ciência do direito, coisa não julgada e coisa julgada devem ter, obrigatoriamente, significados diferentes. Recordo que o Legislador Penal quando trata do crime de calúnia, não admite sequer a exceção da verdade quando o ofendido, embora processado, não tenha sido condenado por sentença irrecorrível, ou seja, pode em breve o STF prestigiar os princípios constitucionais contidos no voto do ministro Ari Pargendler e assim pacificar a questão. Neste caso, as pessoas cujos nomes constaram da relação publicada pela AMB como tendo “ficha suja”, poderão legalmente julgarem-se vítimas de uma campanha caluniosa, difamatória ou injuriosa, independentemente do resultado dessas ações que contra elas tramitam.

Em recente matéria intitulada “suspeição do eleitor”, sustentei que gostemos ou não, em uma sociedade como a nossa só é realmente independente quem paga as suas contas sem depender de favores ou humores de ninguém. Assim, vejo grande incoerência na concessão, a título precário, de benesses estatais como “bolsa família” (ou mesmo com o nome original do governo anterior) sob a ótica do direito eleitoral. É dinheiro público aplicado socialmente aos hipossuficientes com algum critério na concessão, mas sem critério nenhum na suspensão do benefício. Isto redunda num temor reverencial que atemoriza o “beneficiário bolsista” e o faz presa fácil e natural do voto direcionado, vitimando de roldão toda a sua família dependente.

Moralmente, mais prudente seria que no momento da concessão dos benefícios estatais (“bolsa” ou outro que viesse a ser inventado no futuro) que derivassem no auxílio para a sobrevivência da pessoa, o título de eleitor do beneficiário ficasse com restrição para o exercício do voto. Com a reabilitação do cidadão cessaria tanto o benefício quanto à restrição. Há diferença prática entre votos das pessoas independentes e das necessitadas mantidas pelo Estado? Fossem colocadas urnas especiais para colheita de votos dos “bolsistas”, nenhuma surpresa na apuração com qualquer governo… Quanto a campanha dos “ficha suja”, recebam esta minha “intervenção contranitente”. Fica uma sugestão de campanha contra o voto do eleitor refém de benesses estatais.

Elias Mattar Assad é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
www.abrac.adv.br

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