Inimputabilidade Penal e os Direitos Humanos

Rebaixar o limite de idade para a responsabilização criminal, para diminuir o limite de idade que define o código penal (art. 27), necessário primeiro uma emenda ao Texto Maior, como dispõe o art. 228 e art. 60.

Os instrumentos internacionais de Direitos Humanos específicos ao tema da repressão e prevenção da ?delinqüência juvenil? ou infracional, não definem taxativamente a idade de 18 anos, como a mais adequada para a responsabilização penal.

A Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20-11-89, aderida pelo governo brasileiro em 1990, somente conceitua, no art. 1.º, que se entende por criança-jovem-adolescente os menores de 18 anos de idade, e estes não devem ser objeto de ingerências arbitrárias por parte das autoridades estatais, ademais, que todo menor de 18 anos de idade, pode estar privado de liberdade; porém, deverá ser separado dos adultos (art. 37), também o item 56 das Diretrizes da ONU para a prevenção da delinqüência juvenil (adotadas pela Assembléia Geral em 14-12-90, Res. 45/112), prevê que os atos delituosos sancionados para os adultos não sejam considerados da mesma forma, quando cometidos por um jovem.

Para fins de definições internacionais, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores (Assembléia Geral ONU Res. 40/33, de 29-11-85), conceitua menor como toda criança ou adolescente que o sistema jurídico de cada País possa sancionar por um delito de forma diferente de um adulto; e menor delinquente é toda criança ou adolescente que se impute um delito e que se considere culpado por seu comportamento (ação ou omissão).

Certa vez, o professor Nelson Hungria (jurista e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal) foi solicitado pelo governo para reformar o código penal, e no ano de 1969, apresentou Projeto de Lei, sem entrar em vigorar; cabendo ressaltar dentre suas pretendidas inovações a inimputabilidade absoluta baixada para 16 anos, sujeitando a verificações do desenvolvimento psíquico em atenção ao caráter ilícito do fato.

A Lei n. 7.209/84, é o nosso Código penal vigente desde de janeiro de 1.985. Este estatuto repressivo reformulou toda a antiga parte geral, ou seja, do artigo 1.º ao 120. Não obstante a respeito do tratamento do limite da imputabilidade, manteve a idade dos 18 anos, como expressa o artigo 27: ?os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial?.

A maioria dos países adota o sistema biológico de responsabilidade penal, ao se referir a idade do autor no momento do fato delituoso, não importando a condição segundo o entendimento da ilicitude; entre eles citamos: Alemanha Ocidental, Austria, Dinamarca, Finlândia, França, Noruega, Holanda; na América Latina, nas legislações da Colômbia, Peru, Uruguai, Equador, México, Argentina, Cuba e Venezuela.

Já a imputabilidade aos 17 anos de idade é adotada na Inglaterra, Grécia, e Nova Zelândia; aos 16 anos, por exemplo, na Bélgica, Israel, Filipinas.

É obvio que não se pretende rebaixar a idade de 18 anos para 16 a fim de responsabilizar os infratores e dar tratamento igual e internar no mesmo estabelecimento prisional destinado aos adultos. A prisão (?internamento?) do adolescente é proibida em presídios, penitenciárias ou cadeias públicas, assim já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, desaconselhando ante os objetivos da pena privativa de liberdade (art. 1.º Lei de Execução Penal) e da medida sócio-educativa de internamento.

Também é importante esclarecer que crime e delito são sinônimos, ?delinqüência?, por sua vez, deriva do latim (?delinquentia? ou ?de delinquere?), na técnica do direito penal significa o estado ou a qualidade do delinquente. Delinquente, deriva de ?delinquens?, vocábulo aplicado para indicar a pessoa que cometeu um delito ?delinctum?, fato ilícito sujeito a sanções, previstas na lei penal?.

Já no Seminário Latinoamericano sobre a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, realizado na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1953, se chegou a conclusão que: ?a expressão delinquência juvenil é tecnicamente inadequada, por não reunir os elementos essenciais do conceito doutrinal do delito?, quando os autores não estão sujeitos a lei ou ao código penal.

Porém, é de se ressaltar que nos dias atuais, os jovens de 16 anos de idade  -adolescentes – possuem plenamente capacidade de entendimento psíquico e vontade para agir – ação ou omissão -, no sentido de saber sobre a licitude ou a ilicitude de sua conduta social. Não se pode mais, hoje, tentar justificar o injustificável ou defender o inaceitável, quando estão ocorrendo diariamente infrações penais ou delitos graves e bárbaros, cometidos por adolescentes de 16 anos, desacompanhados ou em muitas vezes de comum acordo com maiores de 18 anos de idade.

Diante do exposto, apresento algumas propostas, talvez inéditas, como sugestões para a questão da prevenção e repressão da ?delinqüência juvenil?; a saber:

1) Emenda Constitucional.

Incluir parágrafo único no art. 228 da Constituição federal com a seguinte descrição: ?Os maiores de 16 anos e menores de 18 anos de idade, se reincidentes em atos infrações definidos no código penal, poderão ser processados e julgados pelo juízo criminal com tratamento e rito especial, conforme definido em lei?.

2) Ato infracional, co-autoria e aplicação de pena.

Revogar a Lei n.º 2.252/1954, que dispõe sobre a corrupção de menores.

Incluir inciso V no artigo 59 do Código Penal Parte Geral (Lei n.º 7.209/84), com a seguinte descrição: ?Quem de qualquer modo, praticar delito na forma tentada ou consumada, fazendo-se acompanhar, em participação ou em co-autoria com menor de 18 anos de idade, terá a pena imposta, obrigatoriamente duplicada?.

3) Discricionariedade e livre convencimento do juiz.

Incluir Parágrafo único, no art.171, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), com a seguinte descrição: ?Quando houver reiteração de conduta infracional, praticada com violência ou grave ameaça à pessoa, por maior de 16 anos e menor de 18 anos de idade, poderá o juiz da vara da infância e da juventude, após ouvido o Ministério Público, segundo seu critério e livre convencimento, declinar da competência e remetendo o processo para o juízo criminal, a fim de ser julgado o ato sob rito especial, conforme definido em lei?.

4) Rito processual penal especial.

Aprovar lei federal no sentido de criar novo rito processual especial, para processamento e julgamento de ações penais que envolvam jovens de 16 anos e menores de 18 anos de idade, pelo juízo criminal competente. Rito mais célere composto de todas as garantias judiciais fundamentais da cidadania, nos termos da Constituição federal, com a participação obrigatória do pai ou responsável do adolescente, para assistir todos os atos processuais, podendo inclusive ser nomeado pelo juízo, tutor ou curador, sem prejuízo também de representante do Conselho Municipal da Infância e Juventude, que poderá ser intimado para comparecer e prestar depoimento em juízo, sobre a vida social-educacional e pregressa do processado.

5) Local de internamento de adolescentes.

Proibir taxativamente, por força de lei federal, o internamento de jovens de 16 anos e menores de 18 anos de idade, com maiores de 18 anos, no mesmo estabelecimento prisional ou educacional. Prevendo, inclusive, responsabilidade penal, civil e administrativa para as autoridades, servidores e agentes públicos que permitirem ou autorizarem a internação.

6) Ministério Público.

Nas Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude deverá existir equipe inter e multidisciplinar para atender menores infratores e seus familiares, composta por profissionais competentes e especializados, como: assessores jurídicos, psicólogos, pedagogos e assistentes sociais, para o melhor desempenho das atribuições ministerias junto as Varas da Infância e Juventude (Poder Judiciário).

7) Serviço militar.

Rever o artigo 143, incluir § 3.º para definir com serviço militar obrigatório para os jovens de 16 anos de idade, por tempo de 2 anos, especialmente para aqueles que não estão matriculados em escolas públicas ou privadas ou ainda para aqueles que não estão freqüentando as aulas diariamente.

Finalizo, dizendo que são estas as humildes propostas para a prevenção e repressão da ?delinqüência juvenil?, e não apenas a idéia de rebaixar o limite de idade para a imputabilidade penal. É preciso existir uma séria de ações de política social e penal estatal de maneira integrada e eficiente, para construirmos uma sociedade livre, justa e solidária (inc. I, art. 3.º CF), em respeito a inviolabilidade do direito à vida, à integridade física, à liberdade, à honra e à propriedade (art. 5.º ?caput? CF); posto que a segurança pública é dever do Estado (art. 144 CF), direito e responsabilidade de todos.

Cândido Furtado Maia Neto é professor pesquisador e de pós-graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão Minugua 1995-96). Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Nacional prol Ministério Público Democrático. Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia@uol.com.br

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