Idéia repetida

O presidente Lula está coberto de razão. Erradicar o analfabetismo não é obrigação apenas do ministro da Educação nem só do secretário do governo do estado ou do município. “É tarefa nossa, de brasileiros e brasileiras que aprenderam a ler e escrever e precisam socializar os seus conhecimentos.” Quantos patrões, empregados ou donas de casa que, sabendo ler, escrever e declamar, poderiam dar uma mãozinha ao cidadão ao lado, muitas vezes empregado dedicado e servil. Os segredos do bê-á-bá não são, afinal, tão escabrosos assim.

No Brasil, as estatísticas que geralmente são usadas como melhor convém a quem as usa, dizem existir entre 15 e 20 milhões de cidadãos analfabetos. O ministro da Educação, Cristóvam Buarque, acha que são 20 milhões, incluindo aí os chamados “funcionais”. Isso porque existem analfabetos e analfabetos.

Conforme uma pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro-Ibope em parceria com uma organização não-governamental chamada Ação Educativa, apenas 25% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são capazes de ler, entender totalmente o que está escrito e escrever corretamente. Seriam somente esses os alfabetizados de verdade. Não é assim: estatísticas oficiais consideram analfabetos apenas oito por cento da população. Os outros estão divididos em dois grupos de alfabetizados ou, melhor, de “analfabetos funcionais”. Os do grupo um totalizam 30%; os do grupo dois, 37%.

Num País onde aproximadamente 60% da população não teve oito anos de estudo, esses percentuais (inclusive este último) podem ser manipulados à vontade sem contestação. Os bancos de dados oficiais não consideram os que são analfabetos em outras coisas: analfabetos em geografia, em história, em matemática básica e, mais recentemente, também em informática.

Pois bem: o presidente Lula nos ensina que temos responsabilidade sobre nossos analfabetos de qualquer natureza e, usando o apelo repetido do mutirão que consagrou o Fome Zero, quer acabar com o analfabetismo no País. A meta é zerar o quadro em três anos porque, segundo entende, o problema no Brasil “é muito menos de recursos, muito menos de salas de aula ou de ausência de educadores e muito mais de disposição política”. Se cada cidadão letrado atender o analfabeto que está a seu lado, mesmo antes de 2006 o analfabetismo estaria completamente liquidado.

Vinte milhões de pessoas a mais lendo e escrevendo como num passe de mágica? O ministro Buarque concorda. E explica que não precisa muito: 260 horas-aula por pessoa divididas por dez horas semanais fazem seis meses de curso… Mas se hoje as crianças chegam à quarta ou quinta série com dificuldades para ler ou interpretar um texto (e sequer sabem as quatro operações básicas), apenas seis meses de aulas forçadas bastariam para debelar o analfabetismo encruado em solo pátrio desde o descobrimento?

O programa lançado pelo presidente Lula é meritório. Em que pese ser obrigação do governo a tarefa de cuidar dos iletrados, um projeto dessa natureza nunca pode faltar em governo digno desse nome. Nem aqui, nem no primeiro mundo. Não é verdade, entretanto, que o Brasil já não tenha tentado eliminar do torrão natal o borrão da incompetência – aquela marca das impressões digitais que substitui a assinatura. “Você também é responsável” – dizia a vinheta tocada no rádio e na televisão uma vez. “Então me ensina a escrever”, cantavam, se não nos falha a memória, Dom e Ravel. Os militares também imaginaram que a obrigação de ensinar a ler e escrever não é só do governo e deram luz de vela e querosene ao valente, enquanto vivo, Mobral. A diferença está aqui: o programa de Lula inclui um livro em cada cesta básica. E ninguém sequer perguntou se todos os pobres são analfabetos… ou melhor, se sabem comer… perdão, ler.

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