Há Algo de Podre no Reino de Curitiba

A violência é um retrato belo e terrível da humanidade. Desde a origem, o homem sempre teve sua inclinação perniciosa para a violência. Somos o predador incansável, a moléstia da natureza, o vírus aniquilador da própria raça. Caim e Abel tão próximos de nós, cortando o ar com as inquietações que infestam nossas almas.

O egoísmo humano é o grande responsável pelos terríveis acontecimentos no show que aconteceu em Curitiba realizado no Jockey Club. E que levou três jovens à morte pisoteados e sufocados, causando uma dor indescritível em seus familiares. Quem serão os culpados? A resposta é mais complexa do que pode parecer. Os jovens precisam reencontrar o caminho da moral. Nunca vivemos em uma época tão individualista e que cultua o prazer de tal maneira que a herança futura é no mínimo temerária. O Desejo oculto, o desprezo pelo outro, a miséria existencial, a busca pelas facilidades traçam um retrato perdido e fragmentado da sociedade.

Esta é nossa pequena perversão, punir-se, viver e amar por meio da violência para escapar do tédio, da dor e do medo. O raciocínio é: que importa o outro, aquele que lamenta ao chão, com sangue nos lábios, esmagado e prensado. Que se danem, o que eu quero é ver o show, o meu prazer é mais importante que todo o resto. Assim fui criado, como um vampiro moderno e assim sempre será. Não meus senhores, nada tem haver com a psicologia de multidão, na qual o indivíduo sente-se protegido e, por conta disto, liberta seu lado animal. O egoísmo individual, a necessidade pelo prazer imediato, o desrespeito à vida foram os ingredientes malévolos que nos levam ao desastre.

Uma triste comédia de erros.

Não creio mais em heróis ou vilões. Nossa alma possui em diferentes graus (maldade e bondade) uma mistura indivisível. Não é a idéia ocidental de bem e mal, mas uma essência contaminada que se completa dentro de nós. Cada jovem presente no local, cada pai omisso em relação a bebidas e drogas, toda e qualquer autoridade que tiraram o corpo fora são os verdadeiros responsáveis. Não um, mas todos. É difícil aceitar isso, não é mesmo?

Não existem mais inocentes entre nós. Que frase triste, a revelar nossa sina trágica.

A inocência parece estar se desintegrando, mero farelo antigo e impreciso. O ser humano, já em tenra idade, tem acesso ao sexo virtual, cenas violentas, miséria, pressão estética, cultura dos vencedores, uma mídia canibal e raro espaço profissional. O impacto de tantas revoluções no fino tecido social acaba por favorecer o desenvolvimento de uma geração de pequenos tiranos. A era da informação inaugurou uma época de desencontros e preguiça mental que afeta a todos os segmentos sociais. A imagem facilita a transmissão da informação, mas gera o conhecimento fragmentário. Agora pode não parecer significativo, mas se avançarmos setenta anos no futuro, podemos crer que a herança cultural de nosso tempo será reduzida e pior que isto, lastrada quase toda em meras imagens e documentários.

Sim, nascemos em um mundo violento de palavras e ações. Depende de nós se iremos assumir a personalidade obscura pré-existente e do papel social que pretendemos exercer. Fomos criados sob o signo das bombas, tiros, gritos, gemidos, ignorância e dos lábios tortos em oração pedindo proteção contra o desespero humano. Fomos contaminados por uma espécie de vírus modificador do comportamento, algo que é transmitido pelo ar do qual não há defesa possível. Aceitar que cada um de nós carrega o vírus, o veneno, a pústula universal da intolerância pode ser a chave da libertação individual.

Caminhando e observando as ruas, acredito que o mundo é doente, mas embora meu ser seja parte desta doença, tenho medo que poucos pensem assim. Não sou a cura nem tão pouco o alívio. Sou apenas um homem enfrentando a difícil missão de viver o dia-a-dia e indignado com nossa geração.

A omissão é o crime mais perverso da humanidade. Pense nisso ao observar seus filhos, amigos, enfim, o tecido social que nos envolve e sufoca. Pense nisso ao repousar seus olhos na noite mais longa de um século.

Rodrigo D´Almeida Bertozzi

é escritor, autor dos livros Depois da Tempestade, O Senhor do Castelo e O Despertar, todos publicados pela Juruá Editora.

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